terça-feira, 18 de dezembro de 2012

ÚLTIMAS RIMAS CHINFRAS DE 2012

FIM DE ANO,
FIM DE MUNDO
EU DE NOVO
SEM RUMO.

2.
O DOLAR,
O DIA,
A DOR...
VIDA, VIDA
QUE ROLA,
ROLARIA,
ROLOU...

3.
DEZEMBRO CHEGOU!
DE NOVO O ANO
FINDOU!

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

POEMETOS EM QUE ME METO

1.

O FIM ESTÁ PREVISTO.
MESMO ASSIM
INSISTO.

2.

A QUALQUER DIA,
EM QUALQUER LUGAR,
UM ACASO QUALQUER.


3.

EI, PODE IR EMBORA:
DEIXE ABERTA A PORTA
QUE EU TAMBÉM VOU.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO


EM MEIO À BRUMA E SOLIDÃO

-   Dona Fransquinha, é aqui, ó, aqui que senta...
Mas Fransquinha queria sentar para cagar era no jarro da pequena palmeira que havia no banheiro, ao contrário do vaso sanitário muito branco e limpo que a cuidadora Armanda mostrava para ela. Certamente, no sábio esquecimento da doença, concluía que pouca diferença faria – era tudo sempre a mesma merda.
- Aqui, dona Fransquinha, vem...
Desistiu de teimar e foi pro trono. O clássico. Em alguns anos mais, dona Fransquinha não controlaria os movimentos do esfíncter e usaria fralda descartável. Bem diferente de seus primeiros cueiros, de oitenta anos atrás.
Fransquinha, um dia, foi menina e foi mulher. Menina, já teimosa e cheia de manha. Mulher, cheia de tara e ardil. Onde vagavam as lembranças de dona Fransquinha naquele momento em que defecava sem se notar?
E quando começou o fim?
Não sabia, não lembrava. Da noite para o dia perdeu toda compostura. Dizia o que queria. A cada mês mudavam de cuidador ou enfermeiro, exaustos com os desaforos de dona Fransquinha:
- Olha, amanhã eu venho almoçar com a senhora de novo, viu?
- E por que você não vai encher esse rabo em outro lugar?
Era tudo bruma na mente de dona Fransquinha. Mas numa daquelas noites, depois de um ataque furioso de gritos e pratos no chão, quando todos na casa dormiam, exaustos, e só a solidão espreitava, acordou com a lembrança que veio súbita em forma de sonho.
...
Ela me arrastava pela mão, como quem leva cruz. Mas, na verdade, ela é que era minha cruz. Me arrastando, de bar em bar, esmolando um trocado, se fingindo desempregada. Era tanta a minha infelicidade que minha cara de dor convencia e muitas vezes recebíamos uma esmola gorda.
Era nos fins de semana. No sábado e no domingo, logo cedo, a velha vinha com sua voz esganiçada, infalivelmente:
- Ainda não tá pronta, Fransquinha? Anda logo, troço!
Embora com doze anos, eu tinha que vestir uns vestidos que me infantilizassem, havia dois ou três para aquela ocasião, muito puídos, que era para despertar ainda mais nossa triste condição de pedinte.
O fato é que a desgraçada possuía duas casas, cujo aluguel dava perfeitamente para nos sustentar. Como era mesmo o nome da bruxa? Por onde ela estaria agora?
Nos quinto dos infernos, é claro!
...
E aquela certeza lhe pareceu incrivelmente engraçada. Nos quintos dos infernos, claro!
E pôs-se a gargalhar com gosto, vingada daqueles anos de miséria que o tempo apagou da memória.
- É nos quintos dos infernos, nos quintos dos infernos, claro!
Gargalhava tão alto, dona Fransquinha, que as luzes na casa se acenderam. E riu tanto que se cagou na roupa.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

IMPRESSÕES PRESENTES E PONTUAIS SOBRE HOMENS...

Alice N. pegou sua mochila e se mandou para um evento literário no litoral sul. Foi curtir uma zona libertária temporária. Tomou banho de mar, jogou seu fanzine entre os convivas, ouviu conversas sobre livros, encheu a cara... Na volta, acumulou algumas impressões.
Dentre elas, impressões sobre homens. Ou alguns exemplares dessa estranha raça.




Primeiramente, a raça dos ex-maridos. Se tem uma coisinha pior que marido, certamente é a de ex-marido. Ele chega para ficar dois ou três dias com os filhos e quando você volta encontra a casa uma zona, o computador desconfigurado e as plantas (que você implorou para serem regadas) amareladas e secas de sede. E você que lave a louça que ele sujou e compre o café que ele bebeu todo. Estranha a mania de se comportar ainda como se a mulher (pior, a ex-mulher) fosse a mamãezinha. Realmente, não dá para não concordar com aquela atriz: cuecas, agora, apenas sobre as cadeiras, nunca mais no guarda-roupa...

Segunda espécie: aqueles que saíram de um relacionamento recentemente e se esforçam quase histericamente para entrar de cabeça em outro. E pior: é com você! Em vez de pegar leve, sem desespero, faz questão de grudar e de não dar um minuto para sua solidão. E se você foge, por uns momentos, faz logo um muchocho e te esnoba na primeira oportunidade. Versão humana (?) e masculina do bichinho carente. Nada contra ser um maior abandonado mas sem coitadismos, né...

Terceira espécie: o hipócrita egoísta. Exige sem dar. Cobra sem retribuir. Só sabe dividir, nunca quer somar. O extremo oposto do anterior, finge ciúme mas o que sente mesmo é vaidade, porque acha que o mundo gira ao seu redor e que todos os sentimentos devem estar voltados exclusivamente para ele. Em outras palavras: um mané arrogante e babaca.

Alice N., pensando nesses casos, não tem dúvida: a certas companhias masculinas, melhor mesmo é ler um livro e tomar banho de mar.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

POEMETOS EM QUE ME METO


Sem títulos

Do feriado é véspera
E eu, áspera,
Quero ser presa
De qualquer ser,
E, acesa,
Me arder
Até fogo consumado


Mar./2008


                                               Cãobébado
Pra quê tu bebes, cão? Indaga nossa poetisa
Como que e quem também nada o soubesse!
Provocativa e serena como numa curta prece
E saio a catar uns versos na manga da camisa!

Cãobébado sei assim que não sei quase do nada
Em nada sabendo só tateio a imensidão do Eu
Só réstias de memória de tudo o que se sucedeu
Nessa embriaguez toda desmedida dessa estrada

Há início, quiçá um meio e é mais impreciso o fim
Uma temulência entre amigos de contumaz etilismo
Um desejo desenfreado de tiorga assim vez por outra

A ebriedade que vem sorrateira e nos invade por fim
E mais um pileque seja qual for o seu grau-estilismo
Depois só as ressacas com juras de nunca mais noutra!

Dedham Califa
Nov/MMXII

domingo, 11 de novembro de 2012

Histórias de Abimalek (2)


Histórias de Abimalek (2)

Mas além de ser um contador de histórias – um fino contador (em todos os sentidos), e chato também, daquele tipo que exige três holofotes e que conta a história tocando no seu braço – ele era um personagem. Geralmente, todas as histórias que vivenciava como personagem tinham um quê de cômico. Ele mesmo era uma figura risível, aliás: um cabrinha lá de Tanque do Touro, peidador amarelo e meio banguelo... Uma vocação para o riso. Não à toa, volta e meia editava , na sua coleção João Nicodemos de Lima, ótimos livros de humor, com autores do naipe de Celso da Silveira, Moysés Sesyom, Veríssimo de Melo...
Essa história, em que o sebista-editor é também personagem, foi contada por diferentes pessoas, em diversas situações. Tratava-se, de fato, de uma cena inesquecível nos anais do Quadrilátero da Maledicência – o dia em que o tal (anti)herói rompeu com o (pretenso)poeta peripatético.
Pois contam as boas línguas que estavam todos, pela enésima vez, tomando umas lá pelo Beco da Lama. Todos: cinco ou seis gatos pingados da turba de ordinários recorrentes frequentadores do Sebo e adjacências. Pois lá estavam aquelas figuras todas quando o protagonista, o sebista-editor-personagem, proclama com todo seu veneno:
- Manelzinho, tu não passa de um pitbul sem dente! E mais: quem muito se abaixa, mostra o fundo...
Pronto. Foi o suficiente para a bomba explodir. Cada qual ficou gritando de um lado, se difamando, e ameaçando o golpe. Dois galinhos de briga mirrados em seu mundinho de grande ego. E enfim, o golpe: um copo de cerveja pra cá, um murro desferido pra lá, arma-se a confusão. E, como era de praxe, o que aplicou o murro saiu correndo. O outro foi atrás, em perseguição pelo Beco.
Mas no que o pseudo-autor-de-haikais pôs-se a correr, humilhado e ofendido em sua dúbia honra, suas calças começaram a escorregar pernas abaixo. Eis a cena, com as ilustres personas do cenário underground potiguar: um magrelo fugindo e um pançudinho desdentado correndo atrás, tentando desajeitadamente segurar as calças na cintura.
Para completar a beleza da narrativa, o desfecho, em que no meio do caminho tinha um buraco, tinha um buraco no meio do caminho, e o peripatético se esborrachou no chão, rendendo-se afinal.
Alguns dias depois, com o braço numa tipoia, ainda estaria comentando com alguns, a respeito do mui nobre sebista-editor-corredor:
- Colega, olha o que teu amigo me fez...
Ainda vai, gauche, gostar de Abimalek?

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

RELES RESENHA - Um conto de Clotilde Tavares

Ontem, por acaso (e, por isso, da melhor maneira), chegou às minhas mãos um livro que me embeveceu logo de cara: Cinco Contistas Potiguares, numa edição bem bonitinha de bolso, das eras em que a Fundação José Augusto ainda promovia concursos literários na cidade, com capa de Aucides/Enoch. Do concurso, realizado em 1975, resultou a publicação, no ano seguinte, num delicioso encontro entre Rubem G. Nunes ("Humanóide Trijatóide"), Fernando Gurgel Pimenta ("Ah, meu pudor literário"), o cearense Francisco Sobreira Bezerra ("O último dia"), Otacílio Lopes Cardoso ("Velório") e Clotilde Tavares ("Esperando Paulinho”).
Clotilde abre o livro e, também de cara, já me conquistou. Para além do fato de ser a única contista entre homens naquela publicação, sua narrativa inicia-se com um diálogo, a história começa já em andamento e apelando para que nós, seus leitores, tenhamos fôlego e corramos atrás de pegar o bonde do enredo. Gosto de histórias assim, que não fazem concessões e exigem do leitor, você lê se quiser e gosta se quiser também.
Mas ela vai dando as pistas facilmente, quase com doçura. Logo estamos pensando e sentindo como a narradora-personagem, dividida entre o ódio pela chefe do hospital onde trabalha e a saudade do homem que a deixou prometendo voltar. Dele, restou um fruto ainda de primeiros meses.
Outra coisa de que gosto em contos e na qual penso, por enquanto, como mola para mover minha escrita: uma história vai se passando em paralelo e é no final que ela vem à tona, quase nos estarrecendo pelo corte súbito com que se apresenta e que coincide, justamente, no desfecho do conto:
Sempre pensando em Paulinho, vai até o guarda-louça e tira um cálice dos fininhos. Vidro tão fino, tão delicado. Na tábua de bater carne, Eulália quebra o cálice com o batedor desmancha o vidro tão fino em poeira, fininha fininha. Com cuidado, coloca o vidro pisado dentro do pão. Paulinho se mexe dentro dela e lhe dá uma sensação gostosa, quente, de quem está guardando com muito cuidado uma coisa tão boa.
- Dona, me dê uma esmola...
Abre a porta devagar e estende o pão com doce que as mãos famintas seguram logo.
Narrativa breve, que vem e acontece. Que trata de questões com que eu, não só pela condição de mulher, mas de ser gente (será?), compartilho – trabalho e afetos, solidão e decisão, fato e incerteza, o duro e o sutil...
Sem falar que a narrativa, como que quebrando com a atmosfera pesada que se arma, termina com a cena de um ser rindo, exercendo essa dádiva humana, para além de que tipo de riso se trate:
-Deus lhe abençoe, dona.
- Amém, diz Eulália. Volta para a cozinha, senta num tamborete e começa a rir baixinho.
Gostei, clara e louca Clotilde! 

domingo, 28 de outubro de 2012

FALVES SILVA E SEUS 69

XICO SÁ NA EXPOSIÇÃO DE FALVES

UM ESCRACHADO NA EXPOSIÇÃO "ESCRACHADO": MARCELUS BOB

CARLÃO CONTANDO HISTÓRIAS DO TEMPO DO BALALAIKA

CARLÃO DE SOUZA E XICO SÁ

JOÃO DA RUA E O CIGANO

PAULINHO SE APLICANDO LONGE DOS OLHOS DA MÃE NAZARÉ

DOIS ESCRACHADOS

FALVES SILVA E SEUS 69

O CRIADOR E SUAS CRIATURAS


FALVES SILVA E TEREZINHA DE JESUS

 ABIMAEL SILVA E XICO SÁ

LÍVIO OLIVEIRA (ATRÁS: ZIZINHO E PAULA NETO)

FALVES, TEREZINHA, CARLÃO DE SOUZA, ALICE N. E  JOÃO DA RUA

O DJ FERNANDINHO

O PRESIDENTE DO UNIVERSO (DA SAMBA) DORIAN LIMA


FORMAÇÃO DE QUADRILHA

O POETA LENDO O POETA (JOÃO DA RUA E FERREIRA ITAJUBÁ)

TÁCITO E DENISE (LÁ ATRÁS, MOSSORÓ)

ALICE N. E JOTA MOMBAÇA




quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Histórias de Abimalek (1)




Além de sebista e editor, ele era um ótimo contador de histórias. Era narrador fazendo uma cobrança, era narrador pedindo a cerveja, era narrador relatando leituras. Ele era “o” narrador, daqueles do quilate de Cascudo, concluíam alguns enquanto o ouviam contando mais um de seus causos.
Naquele começo de noite de lua nova, por exemplo, o tema era de uma convergência bastante interessante: pichação e escola. Essa história ele narrou no lançamento das “Conferências no Colégio do Atheneu”, o número 342 da sua coleção João Nicodemos de Lima, num fim de tarde na Revistaria Atheneu.  Ao seu redor, sete ou oito pessoas (vice-diretor, professora, vereadora e não sei mais quem, além de Alice N.  e do poeta em processo, fiel escudeiro). Ficaram todos calados e atentos, deleitados com a narrativa do sebista-editor, dinossauro da geração de primeiros livreiros, último representante de uma classe que remonta ao século XVIII...
 Mas eis a história (como contá-la tentando aquela narrativa?):
Nos seus tempos de pichador, anos atrás, quando ainda ensaiava os primeiros passos como sebista, saía anarquizando na sua bike pelas noites tediosas de domingo na pacata capital potiguar. Carlos Eduardo nem sonhava em ser prefeito e o boy ganhava certas madrugadas com uma lata de spray por dentro da camisa, pedalando à cata de muros onde pudesse fazer sua publicidade e apresentar-se ao mundo natalense:

SEBO VERMELHO: TRANSA FIADO, NO PAU OU FAZ TROCA-TROCA

Pois numa daquelas noites tediosas, quando começava na TV o Fantástico, doido para errar, sacou de sua lata (ou tala, na linguagem dos pichadores) e partiu na sua magrela. Pedalou da Cidade da Esperança até Petrópolis, quando deu de cara com o muro da esquina do Atheneu, simplesmente a instituição de ensino de mais tradição na cidade. Nem é preciso pensar nos nomes de quem passou por lá.
Inclusive o jovem e iniciante sebista à época.
Anos depois do episódio, naquele começo de noite de lua nova das Conferências reeditadas, todos olharam imediatamente para o muro. Um muro alto, com três janelões, limpo e ostensivo. Imaginaram, então, como seria convidativo quando antes das atuais grades no muro da escola.
Depois de pichar sua publicidade, pensou o animal – “já trabalhei, agora é hora do lazer. O que é que eu vou pichar?” E como estivesse indignado com o Alfabeto da Xuxa, que naqueles anos de 1980 bombardeava as crianças e todos os demais para que tudo fosse grafado com x, resolveu poetar nas paredes da nobre casa do saber:

A XOTA
DA XUXA
É XUJA

Acontece que na época do ocorrido, segundo ele contou (com aqueles olhos muito azuis por cima dos óculos), atuava na escola um certo professor que, clandestinamente, era dotado da singularidade de ter como apelido também o designativo de Xuxa, certamente por conta de critérios de ordem sexual.
O fato é que tal professor vestiu a carapuça e, alguns dias depois, foi bater lá no Sebo. Escrachou com o aprendiz de pichador: segundo o sebista-editor-narrador-pichador, o professor reconheceu o autor dos escritos infames pela letra (também infame): “Esse foi meu aluno!”
Xujou, Abimalek!

terça-feira, 23 de outubro de 2012

NO CORAÇÃO DA CIDADE - por Falves Silva


NO CORAÇÃO DA CIDADE
O BECO
Dos estetas
Dos filósofos
Dos poetas
O nosso Beco
O Beco da Vida
O Beco da Lama
(Amir Massud – 1988)

Ruína, ratos, lama, beco da. Desde tempos imemoriais, o Beco abriga uma fauna de boêmios de procedência variada, jornalistas, camelôs, músicos, advogados, ladrões, médicos, drogados, engraxates, marchands, protéticos, relojoeiros, atravessadores, toda sorte de biriteiros trafegam por essa artéria.
Na década de 60, o Bar de Nazi era frequentado por uma geração de artistas e intelectuais de diferentes correntes literárias. Newton Navarro e Bosco Lopes. Alexis Gurgel e Berilo Wanderley. Dailor Varela e Sanderson Negreiros. Luís Carlos Guimarães e João Gualberto. Jarbas Martins e Emanoel Bezerra. Estes eram alguns dos que frequentavam com maior ou menor assiduidade o Bar de Nazi. Sujeito temperamental e exclusivista. Quando ele não simpatizava com a cara do indivíduo ou quando o cara já chegava “triscado”, ele balançava o indicador num gesto de negatividade, dizendo – Aqui não! Aqui não! Nem adiantava o sujeito protestar, que ele não despachava mesmo e vociferava com uma autoridade que lhe era particular – Pegue o Beco! E repetia a frase como se nem mesmo ele estivesse acreditando no que dizia – Pegue o Beco!
Vi muita gente ser expulsa de lá com esse palavreado, inclusive eu. O Bar de Nazi era um pequeno cubículo, sem grande atrativo ambiental, do lado de fora o cliente, boca seca, querendo tomar uma, do lado de dentro ele, autoritário e pouco receptivo, separados apenas pelo balcão, tipo “morre em pé”. Nas prateleiras, uma grande quantidade de garrafas de cachaça de várias marcas amontoadas desordenadamente, algumas canecas em forma de falo (presente de alguns frequentadores), muita teia de aranha ornamentando a coleção de garrafas, o que tornava o ambiente meio gótico.
A especialidade do bar era (e ainda é) a cachaça, porém, o grande atrativo era a famosa Meladinha de Nazi, composta de cachaça, mel de abelha e limão e misturava os ingredientes, ele pegava um pauzinho em forma de gancho, medindo cerca de 15 cm, friccionava com as palmas das mãos por alguns segundos e estava feita a meladinha. Nazi era mestre nessa alquimia, daí a grande popularidade de seu bar.
Um ambiente tipicamente masculino, onde as conversações variavam de acordo com o calendário dos acontecimentos, política, futebol, religião, cinema, sexo, música, teatro, poesia, poema/processo, guerra e paz.
Passados os anos traumatizantes do regime militar, transpondo os umbrais do século XX, chegando aos dias atuais, o Beco continua imutável em seu aspecto etílico, porém, no que se refere à sua arquitetura, o centro da cidade aos poucos vai entrando num processo de degeneração gradativa, perdendo algumas peculiaridades características de uma artéria tranquila e prazerosa do século anterior, evidenciando uma falta de planejamento urbanístico. Casas e edifícios com suas esquálidas ruínas, adicionados a terrenos baldios, demonstrando um total abandono por parte dos gestores públicos, além da falta de policiamento ostensivo, especialmente no horário noturno, o que fomenta uma série de infrações, furtos, assaltos, exploração sexual, depredação do patrimônio público, confirmando um descaso evidente com que as autoridades constituídas relegam aos que moram e frequentam esta área. Preferem ficar indiferentes a esses delitos, cuja raiz está inserida no contexto social e na ingerência administrativa. Há ainda um forte agravante: ao lado de tais atrocidades, funcionando harmoniosamente, estão as sedes dos poderes constituídos: o Fórum do Poder Judiciário, a Assembleia Legislativa e a sede do Poder Municipal. Esta área vai aos poucos se metamorfoseando em um amontoado de lixo e entulho, sem grande representatividade histórica e sem identidade cultural. Esta área corre o risco de se tornar um bairro fantasma em futuras décadas. Cabe às autoridades competentes, moradores, associações afins e outros segmentos da sociedade reverter esse quadro tão deprimente de nossa cidade com a maior urgência.
Alguns remanescentes daquele tempo continuam frequentando o Beco esporadicamente: o hilariante Dr. Chiquinho sempre brincalhão, porém, quando o assunto requer seriedade, mostra sua outra face e torna-se brigão e polêmico; o não menos brincalhão França, com sua verve machista do tipo “jacaré no seco anda?” ou ainda “pegue na minha e balance!”; o poeta João Gualberto, com sua voz de barítono a cantarolar “praierááá dos meus amoreees”; o severo Dr. Manoel de Brito, que religiosamente às 10, 11 horas toma sua dose e pega o beco; o poeta (com seu bigode de Bievenido Granda) Amir Massud... E outros da nova safra de boêmios que estão sempre pelas redondezas: o galã e conquistador inveterado Marcelus Bob; o criativo e lírico Assis Marinho; o maceteiro e escorregadio Marcelo (pesão) Fernandes; o peripatético (como quer Nei Leandro) Manoel Fernandes, sempre resmungão (“colega, eu...”); o inflamável e anárquico Plínio Sanderson; o tropicalista e caetaneiro João Batista de Moraes Neto; Help (Honey Baby) acompanhada do fotógrafo argentino Marcelo; o poeta puto (e amigo de Jards Macalé) João Barra; o sempre bem humorado Dr. João (Zizinho) Batista; o poeta do grande “Falo” Paulo Augusto; os aluá(dos) Dorian (queixinho da Mesopotâmia) Lima, Aluizio (Direitos Humanos) Mathias, Venâncio (não bebe álcool mas está sempre com um copo de café na mão) Pinheiro; a dupla de assuenses (in)separáveis Carlança e Carlos Bem (mal); Raul (Alcatéia) Cruz; o homem do abacaxi; Nagério; Moisés (da gaita) Lima; Ricardo (selvagem da motocicleta) Brito; Bianor (o poeta cafuzo) Paulino; Lula (o cineasta sem filmes) Lula; o ex-hippie Maurilio (Marlon Brando)Eugênio; o sinfônico Barbosa; Eduardo (ex-Samba) Alexandre; o sambista Birra; a eterna carioca Mathilde (Biba) Thompson; o guia e expoente da cultura Alberon Soares; o melindroso e multifacetado J. Medeiros; o parasebista Vicente (último grande leitor de Borges) Januário;; o espertalhão e flagelo dos deuses Átila, o relojoeiro; a dupla dinâmica; os fotógrafos Alexandre Gurgel e Hugo Macedo; a criativa e performática Civone (aqueles peitos!) Enovic; o rei dos cornos Fábio (toda merda agora é arte) Ojuara; o loroteiro contador de estória Abimael Silva; o talentoso Fábio (ex-pugilista) Eduardo; o papa prêmio Franklin (excluído) Serrão; Júlio César etc. etc. etc.
Reduto de artistas, poetas, malandros, receptadores, putas e gigolôs, entre tapas e beijos, amor e ódio, tristeza e alegria, egoísmo e solidariedade, tradição e modernidade, comédias e tragédias, o Beco continua sua saga, essa bipolaridade própria da complexidade humana, onde habitar o homem, haverá essa (des)graça, o Beco é isso e muito mais. O Beco é o coração da cidade...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO


A LEITURA DE LIA




Pergunte se ela lembrava, depois. Claro que não se lembrava de nada. Aliás, quem é que lembra exatamente o enredo de cerca de dois mil livros, lidos em alguns tantos anos, com todas as suas temáticas, tramas conceituais, personas e paisagens, focos narrativos e o escambau? Sem falar que, muitos dos momentos de leitura eram regados a vinho e desmesura... Alguns, não todos...
Mas muitos.
Muitos mentem, é verdade. Mas Lia era muito sincera quando lia. Ainda que, depois, não lembrasse mais de muita coisa. Um verso ou outro. Uma qualquer expressão.  Porque a leitura é como tudo na vida, conformava-se Lia  – passa. E ela lia mais um livro quando Ulisses chegou.
De novo Ulisses? De novo, Ulisses?
Foi o que Lia pensou, ajeitando os óculos sobre o nariz, quando ele disse o nome.
- Que livro é esse?  quis saber, cheio de marra.
E qual era mesmo o livro? Lia lia um livro quando Ulisses chegou. A Odisséia? Perto do coração selvagem? Ou o de Joyce mesmo?
Nenhum desses. E também não importa. O que importa dizer é que, através das letras do pequeno monstro tipográfico que segurava nas mãos, justamente daquele que segurava nas mãos quando Ulisses chegou e fez-se a luz, Lia caía no Labirinto e lia o Livro da Outra Dimensão. Esse mesmo. O da queda no abismo. O do instante para sempre e nunca mais. O livro do que não se diz mas se sonha. O livro de Si.
No deslize da leitura, Lia caiu nessa outra leitura, a de sua nudez, a de sua verdade, a de Lia. Na leitura de Lia, ela viu, num vislumbre, todas as (im)possibilidades mas deteve-se em apenas uma, a mais (im)provável: a de Lia, a sujinha.
Ei-la:
Portando um livro qualquer nas mãos, muito digna, Lia saía em certos dias pronta para errar. Assim, como quem não quer nada. Não quero nada do mundo! Parecia proclamar, com seu ar de dignidade, segurando distraidamente o livro nas mãos.
Mas qual livro? O leitor incauto ainda pergunta. Companhia das Letras? Coleção João Nicodemos? Não interessa. O que interessa é que Lia, com sua bundinha empinada e beicinho arqueado, saía à cata de um erro e à sombra da lua, querendo só uma coisa, a única coisa certeira de certos dias de seu viver.
Lia queria fuder.
Enquanto Lia se afundava na sua leitura, esperando o tronco do Ipê amarelar o cinza do sertão, esperando o búzio bojudo, rosado e redondo, vir com a onda lhe dizer segredo de azul-verde mar, Ulisses chegou. Chegou e perguntou a ela, na sorveteria em frente à parada de ônibus da rua da Aurora:
- O 48 passa aqui?
Lia ajeitou os óculos na ponta do nariz e pensou, passa onde você quiser, meu filho, aproveita e passa também aqui a sua língua...
No meu coração.
Na leitura de Lia, então, que regava em segundos a rugosidade mansa e melosa de milênios, Ulisses – primeiramente lambendo com quase solenidade, depois chupando com total sofreguidão – desfazia-se nos bicos dos mamilos, nas pontas das orelhas, nos dedos dos pés, no botão de pétala que guardava os segredos mais secretos dela.
Lia!!!
Mas e então, narrador? Aconteceu? Bebeu dessa fonte Ulisses? Findou esse livro Lia?
Pergunte se ela lembrava, depois...

terça-feira, 16 de outubro de 2012

LINGUAGEM E HUMOR: O RISO NAS LETRAS POTIGUARES



LINGUAGEM E HUMOR: O RISO NAS LETRAS POTIGUARES 

DIA 13/11 (TERÇA-FEIRA): 10h-12h
"Cosmovisão carnavalesca e riso na perspectiva de M. Bakhtin" – Maria da Penha Casado Alves
"Humor, argumentação e imagem em charges" – Sylvia Coutinho Abbott Galvão

"O humor na imprensa potiguar: os jornais O PARAFUSO (1916) e O FAROL (1936)" – Cellina Rodrigues Muniz

DIA 14/11 (QUARTA-FEIRA): 19h-21h
"O riso de irreverência na poética de Lourival Açucena: poemas de exceção" – João Maria Paiva Palhano
"Jorge Fernandes: mais sério rindo que sisudo" – Humberto Hermenegildo de Araújo

Local: UFRN, Setor 2, Bloco I, sala 16

Coordenadoras: Cellina Rodrigues Muniz e Sylvia Coutinho Abbott Galvão

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

EU NÃO AGUENTO, EU NÃO AGUENTO!

Não tem jeito:  chega uma hora em que seus culhões enchem tanto que explodem e você grita um grito de revolta e de desabafo:  eu não aguento, eu não aguento!
Então, "fazendo a caridade", já que há santos que são de barro, já que há luas que são minguante, não me venham com besteira. Seja de que lado for. Não venham me citar intelectuais de prestígio em rodas seletas. Não venham me choramingar que o mundo não é como deveria ser (porque antes era melhor, porque ninguém lê os clássicos, porque a juventude tá perdida, porque a gente não recicla o lixo...). Por favor!
Meus ovos estouraram hoje de abuso pelo bonitinho, pelo correto, pelo que há de certo, pelo incorruptível inevitável. Morte a tudo que ri um sorriso estragado de falsa modéstia e de piedosa hipocrisia!
Viva a vida!
E danem-se os filisteus!

O Beco da Lama, por Falves Silva

Neste ano, mais precisamente no dia 27 de outubro, o poeta em processo faz 69... Adivinha onde ele vai festejar?



terça-feira, 18 de setembro de 2012

POEMETOS EM QUE ME METO



na lua nova que me renova
de mágoa e esperança
gotejo
e gota a gota
eu vejo
outra porta
por onde fugir...
a lua me consola
como quem diz
num sorriso de criança
- o devir vem aí!

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A minha primeira vez com Raul Seixas

A minha primeira vez com Raul Seixas
A primeira vez em que ouvi Raul Seixas foi tão brutalmente banal, tão corriqueiramente chocante, tão vida que, realmente, não dá para esquecer essa primeira vez.
Acho que eu tinha meus treze anos, ou seja: era mais retardada ainda e com uma carinha de enjoada ainda mais acentuada. E também já não tinha juízo nenhum na tola cabecinha.
Mas os 13 são de tocar e revelar.
E com treze, eu sentia (e não percebia) que eu queria salvar o mundo para ver se me salvava também, lá no fundo. Num futuro remoto, eu acreditava que a felicidade se faria.
Então eu lia. E comecei também a escrever.
Um dia, ao voltar da escola, subi no ônibus (numa fase que nem pesava tanto, como a que se seguiu logo depois dessa) que me levaria de volta para casa. Eram doze horas, o sol solava sobre a cabeça e os hormônios começavam no meu corpo as primeiras confusões.
E quando entrei no ônibus, na geral (ou seja, no fundão), uma turma de estudantes também voltava e cantava, desafinada e eloquentemente, Metamorfose Ambulante.
E, com aquela música, naquela música, através daquela música e seu canto, eles celebravam com tal intensidade aquele instante que não pude deixar de me entusiasmar também com aquela celebração.
Pois é, até os treze anos, eu não tinha noção ainda dele (confesso). Tempo de aprender cada um tem o seu (às vezes nem tem).  E, depois que passei a catraca, sentei num banco e ainda me animei a pegar Sabino da mochila, percebi que a cantoria não me deixava me concentrar no enredo daquele e notava também o quanto a letra ajustada àquela melodia era interessante, bela e dizia justamente algo com o qual eu me identificava, que me dizia de mim pela música.
Assim eu sozinha cismei naquela minha solidão.
E desde então nunca mais deixei de ouvir o tal Raulzito.
Morto há 23 anos, de algum modo, ele permanece. Pela obra que ainda faz girar algumas cifras e pelos “toque” que continua a soprar no ouvindo da gente, meninos e meninas perdidos nesse mundão de/sem deus, salve Raul!

terça-feira, 14 de agosto de 2012

POEMA PARA O DIA


Esperança
Mário Quintana


Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

RELES RESENHA - "Elogio da Mentira", de Patrícia Melo

Bom, preciso confessar - o continho ordinário anterior (Mais uma crônica de mais um amor louco), eu escrevi porque estava atordoada com a minha última leitura - Elogio da Mentira, de Patrícia Melo. Embora não interesse a ninguém, embora o caos na Síria continue da mesma maneira e o calçadão de Ponta Negra permaneça do jeito que está, essa é a motivaçào desta reles resenha - falar do livro da tal pagu.
Para além daquelas informações de orelha (ai, as orelhas de um livro...), o que fez o livro me ganhar mesmo, ele, adquirido ali numa maisoutra livraria de um mais outro shopping (Ed. Rocco, 20110), entre várias coisinhas (precinho razoável, lembrança de um velho amigo comentando em outros tempos, a condição de ser de uma mulher escritora, ótimo título), o que me ganhou foi ela ter dedicado ao Rubem Fonseca, ficcionista por quem ando enamorada ultimamente.
E ela fala de coisas absurdas e simultaneamente muito comuns a todos nós, reles mortais (pretensos escritores ou não): o amor entre um escritor plagiador de romances policiais de qualidade pra-lá-de-duvidosa (José Guber) e uma bióloga suspeitamente apaixonada por ofídios (Fúlvia Melissa).
Nas primeiras linhas, pela agilidade e leveza do ritmo, Patrícia me ganhou de vez. Ela, com crueldade e doçura, narra nosso existir. Como nesse trecho, diálogo dos amantes que planejam a morte do marido dela:


"Covarde, ela disse, covarde, vou matar sozinha, nào se preocupe, mato por nós dois, fique aqui escrevendo seus livrinhos, seus crimezinhos, covarde, eu vou matar sozinha. E plumb, bateu a porta, me deixando plantado na sala. Naquela época, eu já era louco por Fúlvia. Quando estávamos na cama, eu dizia, eu entro no seu corpo e tudo em mim, meu sangue, minhas células, meus átomos, meus elétrons, eles gritam, eu amo essa mulher. Das outras mulheres, eu nem me lembrava, Fúlvia veio como uma onda de mar bravo, desses que a gente vê na televisão, gigante, encobrindo tudo. Só que eu nào era capaz de matar ninguém. Uma coisa era escrever sobre crimes de mentira, e outra, completamente diferente, era matar um ser humano, apertar o gatilho, enfiar a faca, esganar ou lá o que fosse." (P. 31-32).

Eita!
Próxima leitura - O matador, da mesma Patrícia Melo. Pode cobrar.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO - Mais uma crônica de mais um amor louco



MAIS UMA CRÔNICA DE MAIS UM AMOR LOUCO

Ele ali. Depois de esperar uma hora e dezessete minutos, olha ele ali. Daquele jeito mesmo que imaginou: simpático, discreto, casual.
Junto a outras três ou quatro pessoas que assistiram à conferência, entrou na sala VIP. Pessoas do staff entravam e saíam. Umas maçãs sobre a bandeja na mesa. Ele foi logo sorrindo:
- E aí pessoal...
Fotografias, sorrisinhos, satisfação. Ela permaneceu meio à parte, balançando a cabeça feito boi que concorda com o enredo que a conversa vai tomando. Sim, é, com certeza... Ele olhava para o grupo de uma maneira geral, como quem vê apenas o rebanho. Por dentro do casaco, ela sentia o frio da lâmina. E perguntava-se, como assim, pois é? É tudo o que você tem a me dizer depois de treze livros, cinco álbuns com trezentas e quinze fotos e reportagens, dias sem comer e noites sem dormir?
Na verdade, no íntimo, ela já sabia. Sempre soube. Esse daí é um feladaputa. Também. E já via toda a cena. Os dois juntos na cozinha, nus, tomando cerveja e dançando ao som de Manga Rosa, para depois ele ir seduzir colegiais com dois ou três versos razoáveis, enquanto a esposa o esperava em casa para o jantar. O problema é que o desgraçado não era só medíocre. Escrevia ótimos livros. E ela, jumenta, insistia que não via, insistia naquela condição – ser sua fã.
Foi assim: um dia, casualmente, depois do trabalho (ela, na época, já era caixa numa rede de farmácias), saiu para a noite que se iniciava sem maiores planos. Talvez um sorvete na esquina antes de ir para casa. Foi culpa da Ritinha, que não quis ir ao shopping com ela, estava gripada. Se tivessem ido circular feito baratas tontas, olhando as vitrines sem poder comprar porra nenhuma, não teria parado na banca de jornal da parada de ônibus, não folhearia revistas de previsão astral, não esbarraria no livro de bolso que anunciava – MAIS UMA CRÔNICA DE MAIS UM AMOR LOUCO, de Jorge Jota Jameson. Na capa, ela viu o seu próprio retrato – uma mulher de cabelos longos e loiros, sendo arrebatada num beijo de intensa paixão por um lindo e gentil cavalheiro...
Ali começou seu céu, seu purgatório, seu inferno. Não perdia um, mal saía o livro, já procurava no dia seguinte pelas bancas mais próximas. O rapaz da banca da esquina, o José, volta e meia soltava uma piadinha sem graça – esse cara deve ser bom, hein? Ela olhava furibunda de ódio para o moço, que cara o quê, animal, pensava e o outro baixava os olhos, constrangido com o olhar de fúria da fã. E meses depois, quando ela passava em frente à banca, ele costumava gritar, tentando ser simpático, coisas do tipo “Madame Maverick não mora mais aqui” chega na próxima semana, eu sei, ela resmungava entre dentes. Hunf.
Tablóide, revista de fofoca, blogs de internet, ela não perdia nenhuma novidade, nenhuma notícia, nada. Jota Jameson separou-se. Jota Jameson reatou com a esposa. Jota Jameson brincando com os cães de estimação na praia de Búzios. Jota Jameson fazendo a campanha de abertura do Criança Esperança. Ai, Jota Jameson!
Até que um dia leu, na revista: REVELADO TUDO SOBRE OS CASOS SECRETOS DE JORGE JOTA JAMESON. Ela ficou aturdida, não podia acreditar, não podia ser verdade que Jota Jameson levava fãs para a cama. Levava sim. Várias delas abriram a boca, aos prantos. Ele recita versos, ele nos deixa frágeis, ele nos leva para jantar num hotel caro, ele desaparece.
Seu mundo caiu. A essa bomba, seguiram-se outras revelações bombásticas, estampadas nas revistas de dois reais e cinquenta centavos: JOTA JAMESON ACUSADO DE PLÁGIO. JOTA JAMESON VAI AO TRIBUNAL PRESTAR CONTAS POR COPIAR ESTÓRIAS DE OUTROS AUTORES.
Não podia ser verdade. Ela tentava crer no que ele gritava nas capas seguintes: ESTÃO ME PERSEGUINDO! Mas alguma coisa desfalecia dentro de si. Todas aquelas lindas cenas imaginadas eram então mentira? Todas aquelas palavras que a embalaram nos ônibus lotados e nas filas de banco eram pura lorota?
Quis morrer, queimar pôster, livros e todos os arquivos que fizera ao longo dos últimos anos, quis morrer, quis matar. E sentia-se as próprias personagens dos livros do cretino, como Marialva da Cruz, de OS MISTÉRIOS DO AMOR, ou mesmo a Dra. Martine Follmaw, de SERÁ QUE ELE VOLTA?, banhada em lágrimas de desespero e desilusão. Ô vida cruel, meu Deus, essa de fã, essa de mulher...
E nada a tirava daquela tristeza, nem mesmo a campanha maciça da mídia por recuperar a imagem de bom moço de Jota Jameson: ele doando sangue, ele assinando um contrato em que cedia parte de seus direitos autorais para uma instituição que cuidava de papagaios com câncer, ele malhando na academia pelo dia mundial da saúde. Não, Jota Jameson, não dá mais. Não acredito mais em você, ela suspirava, cheia de ressentimento, pensando em como aquelas meninas das denúncias eram bonitinhas...
E foi então que chegou o dia em que Jota Jameson veio à cidade. Ele fazia uma turnê pelas principais capitais para o lançamento e divulgação de seu mais recente livro – SOBREVIVEREI, SIM! Mais de cinquenta mil cópias vendidas, só na primeira quinzena.
Ela leu a notícia na revista ASTRAL LEGAL sem esboçar nenhum gesto, nenhuma reação. Ele vem aqui, apenas pensou. E pensou nas meninas banhadas em lágrimas, ele jurou me amar, diziam, ele prometeu que era amor à primeira vista, gemiam, ai, Jota Jameson, isso não se faz.
Chegou o dia. Ela foi trabalhar normalmente. Atendeu os clientes da farmácia com a indiferença de sempre, mesmo que não tivesse dormido nada. Teve uma noite de cão, rolou na cama várias horas, sem conseguir dormir. E de manhã cedo, quando se levantou, foi direto para a cozinha e pegou a faca mais afiada que havia na gaveta.
Ali estavam, pois, os dois: autor e leitora. Ele com seu sorriso impecável e suas histórias de sempre. Ela afagava a lâmina, pensando em como fazer. Como fazer, meu Deus? Ela suava, o coração acelerado, o choro se anunciando...
Sem pensar, sem dizer nada, deu meia volta e saiu correndo, fugiu dali histericamente. Correu algumas quadras, feito louca, até que parou, sentou num banco de praça e pôs-se a derreter em um choro convulsivo.
- Ei, você...
Ouviu uma voz gentil dizer.
- O que foi que aconteceu? – alguém lhe afagava os cabelos, suavemente, sentando-se ao seu lado. Sentiu um cheiro delicado invadir suas narinas, com aquele toque.
Ele passava por ali coincidentemente. José, o cara da banca.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

terça-feira, 24 de julho de 2012

POEMETOS EM QUE ME METO

Poeminha para a tarde


Em que se precisa a precisão?
Equilibrista sobre a corda dúbia,
Por que não cai você?
Quem há de saber?
Quem sabe o segredo do sol brilhar assim tanto?
Por que a gente se quebra de rir e de pranto?
Por que querer reter no instante
o tempo no todo seu
Infinitamente
Longo
Manto?

quinta-feira, 19 de julho de 2012

domingo, 15 de julho de 2012

NA CHAPADA DO ARARIPE


MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO


PRECISA-SE
Chamava-se Osvaldo. Um cara comum. Cinquenta e seis anos, funcionário público municipal, signo de virgem, torcedor do Fluminense. Acima do peso. Separado duas vezes. Sem filhos, sem seguro de vida, sem maiores planos.
Durante a semana, após o expediente, no começo da tarde, passava inexoravelmente no bar de seu Dodô, onde tomava duas ou três doses com um caldo de feijão preto. Conversava com os colegas, habitués do bar como ele, lia o jornal, rabiscava algumas anotações na agenda.
Perto das cinco da tarde, dirigia-se para o ponto de ônibus na avenida ali perto, pegava o 48 e chegava a sua casa a tempo de tomar um banho, preparar um sanduíche de mortadela e assistir à novela.
Acordava às seis e quinze da manhã, com o rádio anunciando as primeiras notícias do dia. Fuga no presídio estadual, greve dos bancários, acidente de carro na zona norte com três mortes, corrupção no senado nacional.
Fazia a barba, como todas as manhãs, aparando cuidadosamente o bigodinho fino. Vestia a camisa de botão que Alzira, a mulher que vinha duas vezes por semana para limpar, lavar e passar, deixara cuidadosamente no guarda-roupa. Passava uma gota de água de cheiro no pescoço e ia tomar um café preto com tapioca no Seu Pedro da esquina.
Antes das oito chegava ao trabalho. Cumprimentava o porteiro, batia o ponto no relógio de ponto, bebia um copo d´água no seu copo reservado no refeitório, sentava à sua mesa de trabalho com um pequeno suspiro. Mais uns anos e se aposentaria.
Pra quê?
Na hora do almoço, ia com alguns colegas do trabalho no self-service de sempre. Comia bife com batatas, como sempre. Assistia um pouco ao noticiário da TV, como sempre. Pendurava a conta para pagar no começo do próximo mês.
Voltava para a repartição, cumpria mais algumas demandas e logo mais saía. Batia o ponto no relógio de ponto, despedia-se do porteiro e ganhava a rua, cheia de gente, automóveis, árvores, informações.
Pois naquela quarta-feira de setembro, Osvaldo deteve-se, em dado momento de seu caminho rumo ao bar de seu Dodô, diante de uma daquelas informações. Na janela de uma casa onde parecia funcionar algum comércio, leu numa placa escrita à mão:
PRECIZA-SE DE UM AMOR
Ficou parado, olhando a placa, ligeiramente confuso, como quem não sabe o que deve fazer. Olhou para a casa, contemplando sua fachada meio antiga. Portas fechadas. Afinal, pôs-se novamente em marcha e seguiu para suas duas doses e seu caldo de feijão preto, distante dali a uns três quarteirões.
No dia seguinte, já ao sair da repartição, Osvaldo lembrou-se da placa e sentiu aumentar a curiosidade. Estava lá, no mesmo canto, na casa de número 33, o mesmo aviso:
PRECIZA-SE DE UM AMOR
Novamente parou e contemplou por um instante a placa, um pouco desconfiado, olhando ao redor. Ainda tentou mostrá-la para um dos transeuntes que seguiam pela mesma calçada;
- Olha só que coisa...
Mas o homem que passava não lhe deu a menor atenção, seguindo para o seu destino desconhecido. Viu que as portas continuavam fechadas e, meio frustrado, foi embora.
No dia seguinte, sexta-feira, ao despertar do rádio, ainda na cama, Osvaldo decidiu desvendar aquele pequeno mistério. E, ao final do serviço, bateu o ponto apressado, como também se despediu apressadamente do porteiro, ganhando a rua quase às carreiras. Chegou diante do número 33 e viu, novamente, a placa com o mesmo aviso:
PRECIZA-SE DE UM AMOR
Percebeu, então, as portas abertas. Lá dentro, uma sala branca, limpa, com um ventilador de teto, um birô e três cadeiras encostadas junto à parede. Na mesa, folheando uma revista, uma jovem mulher.
Um tanto constrangido, Osvaldo decidiu-se e subiu os três pequenos degraus, entrando na sala. Não fazia a menor ideia do que funcionava ali e mal se atreveu a gaguejar:
- Dá licença, moça... Essa placa, aqui fora...
A mulher mal ergueu a cabeça da revista, olhou para ele e, após um rápido instante, deu um profundo suspiro. Apenas declarou:
- Acho que não se aplica...
- Desculpe, não entendi...
- Não se aplica ao senhor. Sinto muito.
Osvaldo ficou ali parado, rente à porta, olhando a mulher. Ela não era nem bonita nem feia. Tinha um que de tristeza no olhar. Permaneceu calada, observando Osvaldo, que não sabia o que dizer. Afinal, ele saiu daquele torpor:
- Eu sei, minha filha, só vim dizer que está escrito errado.
E virou-se num rompante, dando as costas para a jovem e retirando-se dali para sempre. 
Foi para o bar de seu Dodô, onde bebeu suas duas doses e tomou seu caldo de feijão preto. Ao final da tarde, pegou o ônibus 48 e foi para casa.
À noite, depois do banho, do sanduíche de mortadela e do capítulo da novela, deitou-se em sua cama para dormir e chorou de tanta solidão.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

RELANÇAMENTO DO LIVRO DE CONTOS DE ALICE N.



AGORA EM FORTALEZA!!!
RELANÇAMENTO D´O LIVRO DE CONTOS DE ALICE N.
NO ESPAÇO-CASA (RUA ADOLFO HEBSTER, 76 - BENFICA)
A PARTIR DE 17H
NA DISCOTECAGEM DE TOMÉ BRAGA E COM LEITURAS DRAMÁTICAS DE CHICÃO OLIVEIRA E EUGENIA SIEBRA.