ANTONIO PINTO DE MEDEIROS
João da Mata Costa
Percorrendo uma trajetória no limite entre a vida e a morte, entre o reino de lethe e os encantos de mnemosyne, continuo a evocar os poetas da minha terra, os que aqui poetaram mesmo nascidos fora, os que daqui partiram levando o sentimento da terra que o acolheu. Os personagens são seres de papel, disse Barthes. Os poetas assim como nós, leitores, também somos seres de papel e sombras, habitantes de uma biblioteca de babel de onde resgato um poeta esquecido e grande crítico de literatura: Antonio Pinto de Medeiros. Editor de importantes livros da Cultura do Rio Grande do Norte. Assim como a poetisa Mirian Coeli, ele nasceu no Amazonas e migrou moço para Natal onde estudou até o curso secundário. Bacharelou-se na famosa escola de Direito do Recife, em 1950, foi seminarista em Manaus quando leu mais Anatole France do que os doutores da igreja, abandonando a vocação eclesial. A frase do Anatole “ a injustiça deve ser o próprio pensamento de Deus”, poderia ter sido dita pelo irônico Antônio Pinto de Medeiros, nascido em Manaus (AM ) em 09 de Novembro de 1919, e falecido no Rio de Janeiro em 09 de Fevereiro de 1970.
Largando o seminário, foi professor de Português em Mossoró e Natal, cidade onde desenvolveu intensa atividade intelectual como professor, jornalista e escritor. Com o apoio do governador Silvio Pedrosa e como diretor da Imprensa Oficial, publicou vários livros de escritores importantes do RN. Em 1952 foi editado pelo Departamento de Imprensa, em papel jornal, o livro “Sertão de Espinho e Flor” do poeta Otoniel Menezes.
Meus professores Liacir e Ary Guerra foram seus alunos no Atheneu. Nas aulas nada ortodoxas contava causos pitorescos e anedotas. Não reprovava alunos e mandava fazer trabalhos em casa. Numa prova em que o tema da redação era “ Um Pingo d`água”, um aluno que apenas escreveu “Afoguei-me no pingo d´agua”, recebeu a nota máxima ( Ary Guerra em Histórias que Vivi, ed. Sebo Vermelho ) Como poeta ele produziu os livros de poemas em versos livres de grande expressividade imagética e filosófica, Um poeta à-toa (1949) e Rio do Vento (1952). Nos anos 50 assinou uma coluna no Diário de Natal intitulada Mirante e a coluna “O Santo Ofício” em “O Poti” com o pseudônimo Torquemada. Como o nome do temido inquisidor espanhol fazia lembrar, Pinto Monteiro era muito temido por sua crítica irônica e mordaz. Em meados da década de 50 ele se transfere para o Rio de Janeiro, e dedica-se crônica futebolística. Em Natal, foi um freqüentador assíduo do cabaré de Maria Boa, gostava de dizer que o RN era governado naquele recinto, onde se encontravam os Secretários de Estado, Deputados, Vereadores, Diretores de Repartições e demais governantes, para discutirem os problemas do Estado. No Poema Por Demais Explicativo ele diz: Não sou irônico não / infelizmente não sou / E meu ritmo é confuso. Antonio Pinto foi integralista, e deixou. Foi Sargento, e deu baixa. Foi seminarista e não foi padre. Entrou para a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e não se adaptou.
O escritor, médico e poeta Esmeraldo Siqueira, traçou de modo bem humorado o seu perfil, no soneto “Proteu Calibãnico” (ublicado no livro Fauna Contemporânea )
Veio da selva: é amazonense, e disto
Confessa o seu orgulho extraordinário.
Cursou brilhantemente o seminário,
Mas, por fim, seu um coice em Jesus Cristo.
Poderia de todos, ser bem benquisto,
Se não fosse tão trêfego e tão vário.
Prefere ao rumo certo o itinerário
Que lhe aponte mais dúvida e imprevisto
Professor, jornalista, bacharel,
Diplomado na escola de Recife,
Banca o político e festeja as musas.
Caliban faz-lhe bem, ri de Ariel,
Sem se importar com o nome do patife
Nem com a fama de práticas excusas.
O escritor José Gonçalves de Medeiros, em matéria publicada no Jornal do Comércio do Recife em 04/09/1949, sobre o movimento literário no Nordeste, assim se referiu ao protonotário poeta:
“ Finalmente , o inquieto Antonio Pinto de Medeiros, a quem devemos certamente a agitação modernista da mocidade de Natal e que acaba de publicar o seu Poeta- à- toa louvado pela crítica daqui como do sul “
José Gonçalves faleceu tragicamente num acidente de avião em 1952, e o grande poeta Antonio Pinto publicou no Diário de Natal de 13/07/ 1952, o poema “ A Pedra “ do livro Rio do Vento.
À memória de José Gonçalves, “ companheiro de tantas coisas”
Neutra a paisagem e o tempo
Usa a mascara inconsútil
Do segundo que repete
A neutra paisagem e o sonho
Neutro. O outono é promessa
Do homem que se repete
Múltiplo na dor e no ritmo
Inerte mordendo o barro
- Matéria prima das cinzas –
Não o fecunda. Uma e estéril
Sem lembranças de outras vidas
Afaga a memória e a infância
Que se confunde com as outras
Mortas idades e sombras
Dorian Jorge Freire (“o Raibrito” ) em belíssimo prefácio escrito com emoção na re-edição do livro “Rio do Vento” ( NossaEditora / FJA 1984 ), escreve sobre o amigo:
Chegou a hora de expor todo Antonio Pinto de Medeiros. Até seus bilhetes, até as dedicatórias de seus livros. Em seguida o texto da palestra sobre Anatole France ( Pinto foi convidado a proferir essa palestra em 1943, quando o prof. Alvamar Furtado então diretor do Atheneu, convidou pessoas de notório saber para proferir as conferencias ).
Tenho para mim que um homem como Pinto, com as suas originalidades todas, o seu saber múltiplo, a sua cultura, a sua inteligência, o seu talento, a sua sensibilidade, a sua prosa, a sua poesia, a sua crítica, o RN não produziu antes dele nem o substituiu quando ele foi para o céu. Igual a ele nunca mais. Com aquela agilidade mental, aquela prontidão, aquele fogo de trezentos sóis, duvido. Du-vi-do!
Os que o conheceram de perto ou de longe, beneficiários ou vítimas, sabem disso. O quanto influenciou a província. Quantas inteligências plasmou. A liderança que exerceu. Os autores que revelou. As obras que leu e criticou para o seu público ...
Antonio pinto foi um grande poeta, para alem de grande crítico de literatura. Não o poeta de um verso que se destaca, mas poeta de grande inventividade e dicção própria. Poeta inspirado de técnica apurada e cadencia num universo de sombras e mistérios.
“ Tragam as ânforas / que as pedras estão / à espera das sementes”
Como Fernando Pessoa, o poeta quer tudo, mas: “sobretudo as bolhas de sabão”.
Poema do Desejo Impossível
Quero as lágrimas perdidas
E os risos perdidos
Os Risos inúteis
E as lágrimas de sal.
Quero os versos à toa
E a fé que herdei
A Fé que perdi
E os versos á toa
Quero de novo o sentido da vida
E a alegria mãe
A alegria extinta
E o sentido da vida que eu próprio matei.
Mas quero sobretudo a bolha de sabão .......
Em Auto de Fé, Pinto diz seu credo:
ATO DE FÉ
Creio na infinita procura
E nos caminhos ardentes
Creio no mistério da carne
E no limbo das ideias
Creio no silêncio sem fronteiras
E no tumulto das sombras
Creio na mágica do tempo
E na divindade das forças
Creio no trono de Judas
E na redenção dos anjos caídos.
Carregamos consigo mistérios. Um texto. Uma trombeta da infância. Pinto carrega todos os mistérios da vida e da existência.
Viajemos em seus versos poderosos. “os ventos trazem alegorias / mas não conduzem mensagens”. O enigma permanece em
“ Loucos olhos bovaristas” . . .