quarta-feira, 25 de abril de 2012

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

VENENO DA VIDA
Para Eulício Farias de Lacerda
Há três dias as folhas de flor-de-cobra aguardavam no velho armário da despensa. Mas Lúcia não se decidia. E enquanto cuidava dos afazeres na casa de Doutor Manoel, ficava maquinando a ocasião: pela tardinha, quando ele fosse tomar o chá de todos os dias. Nem chegaria a ver a hora do Ângelus... Então, Lúcia o colocaria na cama, como todas as noites, e no dia seguinte simplesmente daria a notícia a uma velha e sempre ausente irmã dele, por telefone:
– Foi dormir e não acordou...
Fazia mais de vinte anos que Lúcia trabalhava na casa de Doutor Manoel. Era uma menina ainda quando foi viver lá e presenciou alguns dos principais momentos importantes de sua vida: quando ele se aposentou e deu um jantar memorável na história da cidade, quando foi consagrado na Academia, quando Dona Mocinha faleceu e ele ficou viúvo, quando teve o AVC... Isso já tinha uns três ou quatro anos. Desde então ele nunca mais foi o mesmo. Sempre fora um homem reservado, sisudo, mas amável, cordial, mas trancado, sempre isolado no seu mundo de livros e papéis. Cheio de altivez. E aí, então, um dia, Doutor Manoel tornou-se uma espécie de criança, a depender de Lúcia para tudo, sem nenhum pejo pela intimidade destituída. Era Lúcia quem banhava, vestia, alimentava e só ela entendia os grunhidos que ele soltava quando queria se fazer comunicar. Aquele velho de cabelos brancos e corpo encurvado, uma simples sombra da fragilidade, não lembrava em nada o Doutor Manoel que um dia existira, glorioso e admirado por todos.
Numa tarde, quando Lúcia o sentara à mesa para o chá com biscoitos de todos os dias, ao voltar da cozinha com o bule, notou uma lágrima furtiva no rosto dele. Uma pequena lágrima que caía lentamente pela face encarquilhada de Doutor Manoel. Doutor Manoel! Ela, que nunca vira nenhuma demonstração sentimental daquele homem, ficou desconcertada, num misto de desaprovação e piedade.
Mas quem era ela para sentir pena de alguém? E das penas dela, quem é que se condoía? Sempre servindo aos outros, nunca ninguém se preocupou com suas alegrias e tristezas mais íntimas e, de repente, aquele homem que um dia foi um gigante aparecia chorando para ela, a empregada. Como seria possível?
Na noite daquele dia, Lúcia, sem conseguir dormir, teve a ideia. E no sábado seguinte, na feira, perguntou ao raizeiro seu conhecido:
– Consegue pra mim flor-de-cobra?
Um mês se passou até que o homem trouxesse a erva. Uma plantinha de nada, mal se acreditaria no seu poder fatal. Lúcia pagou a quantia exorbitante (afinal, era uma erva bem difícil de se encontrar) e foi para a casa, com as demais compras da feira. Chegou, guardou os mantimentos e foi até o armário velho da despensa da cozinha. Ficou parada, pensativa por uns instantes e deixou lá a flor-de-cobra.
Novamente ali estava, alguns dias depois, diante da decisão a ser praticada. Era instantâneo, sabia, talvez nem tempo daria de sentir qualquer dor. Olhava para o armário empoeirado, pensativa, enquanto Doutor Manoel aguardava, distante, o chá de mais um dia.
No fogão, a chaleira apitava.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

RECADO AOS INCAUTOS

e por que escrever num blog?
e por que ler um blog?
por que preferir antúrios a rosas?
por que  judô e não o balé?

alguém aí, nessa vastidão,
me faz o favor de dizer
se sim ou se não
de tanta quimera

por que hoje branco,
amanhã negro
e depois,
quem sabe,
quem sabe,
quem sabe...?

meu recado aos incautos
leitores desavisados
perdidos como yo:

pra que tanta pregunta
se a resposta é:
seja lá onde for,
eu,
incauta também,
não vou.

domingo, 15 de abril de 2012

Um espetáculo no céu: Saturno em Oposição ao Sol - por João da Mata

Na fabulosa dança dos planetas em orbitas elípticas em torno do Sol, hoje ( dia 15 de Abril ), é possível apreciar o planeta Saturno e seus belos anéis. Isso acontece porque o planeta Terra encontra-se entre o Sol e Saturno permitindo uma visão mais próxima da Terra. Por ordem de distancia do Sol Saturno é o sexto planeta do nosso sistema solar e é o planeta mais distante visto a olho nu. Com uma pequena luneta é possível observar seus maravilhosos anéis.
Na astronomia egípcia Saturno fazia parte dos planetas superiores ( junto com Marte e Júpiter) e era designado o Hórus – Touro do Céu. Saturno é o segundo maior planeta do sistema solar e assim como o maior planeta; Júpiter (bem visível em conjunção com Vênus no mês passado ) faz parte dos planetas ditos Jovianos. Saturno (do latim Saturnus) é o Deus romano da agricultura.
Planetas Jovianos
Os planetas jovianos ( do tipo de Júpiter) são planetas gasosos e fazem parte dos gigantes do sistema solar. A família dos jovianos é composta de Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Possuem densidades muito menores que os planetas telúricos ( rochosos) da família do planeta Terra: Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.
Os planetas jovianos possuem várias luas. A atmosfera de Saturno é composta essencialmente de Hidrogênio. Seus anéis alinhados com o plano equatorial do planeta. Os outros planetas jovianos também possuem anéis, mas são menos brilhantes que os de Saturno. Os anéis de Saturno foram observados pela primeira vez por Galileo em 1610 e são compostos de rochas e gelo.
Nesse Domingo de outono, dia 15 de Abril, é possível observar esse belo planeta tão próximo numa bela dança planetária.
Saturno na Arte e Mitologia
Em um quadro famoso do pintor espanhol Goya aparece Saturno devorando um de seus filhos. Na Mitologia Grega Saturno é conhecido como o Deus Cronos. Filho de Urano, o Deus dos Céus, e de Gaia, a Deusa da Terra. Cronos, temerosos de que um dos seus filhos se revoltasse contra ele, resolveu destruir toda a sua descendência. Começou comendo as três fêmeas – Héstia, Deméter e Hera. Em seguida os homens Hades e Poseidon.
Réia, mulher de Saturno- Cronos, sabendo-se grávida do sexto filho, viajou para Creta onde deu à luz Júpiter (Zeus). Réia enganou o seu marido e em vez de lhe entregar o filho, deu-lhe uma rocha enrolada com panos de recém- nascido.
O déspota engoliu o pedaço de rocha. Zeus crescia aos cuidados das Ninfas era o filho do Tempo. Saindo da ilha para enfrentar o pai- tirano, tomou-lhe a foice e decepou seus órgãos sexuais tornando-o impotente.
Qual o significado disso segundo o livro Mitologia – O primeiro encontro do Bruno Nardini (Círculo do Livro pp. 14).
O mito de Crono-Saturno, que durante séculos assustou os homens, significa a fatal destruição do Tempo, que gera os dias, os anos e os destrói.
Crono– Saturno que devora os filhos é esse processo fatal que se chama “devir” e pelo qual tudo nasce, cresce, reproduz-se, definha e morre.

POETAS POTIGUARES: CARLÃO DE SOUZA

NAS BRIGAS DE CÃES
AS VERDADEIRAS BESTAS
ANDAM EM DUAS PATAS.

(In: "Cachorro magro". Natal: Sebo Vermelho/EDUFRN, 1999)

segunda-feira, 9 de abril de 2012

POEMETOS PÓS-PÁSCOA

-I-

TODAS AS MANCHAS DE MOFO
ENCRUSTADAS NA PAREDE DO QUARTO
TESTEMUNHARAM NOSSO FIM.
RARO, SEMPRE, É O SIM!
POR ISSO
SIGO
SEM ASSOMBRO,
SEM ABAFO,
SÓ EM MIM.
AI DE MIM, JANDUÍ!
AI DE MIM, SÃO JOSÉ!
NUVENS DE CETIM,
FRUTA COLHIDA NO PÉ!
O TETO, O VENTILADOR,
A CAMA EM QUE DEITO DE QUATRO,
ELES VIRAM NOSSO FIM
QUE FINDOU EM MANCHAS DE MOFO
DA PAREDE DESTE QUARTO.

- II-
DECIDI:
VOU VIRAR SEU ABISMAL
E SER ABISSAL
LONGE DE TI...
AQUELE MONSTRO INFERNAL
VIRAREI EU
PARA DEIXAR DE EXISTIR.
COM CARAS E CARRANCAS,
CARETAS E CARRAPETAS,
ENTORTAREI O QUE ERA EIXO
DERRUBAREI EQUILÍBRIO DE DEVIR.
EU VOU, SIM, EU VOU
VOU VIRAR ÁGUIA INSUSPEITA
VOANDO O QUE AINDA HÁ DE VIR.
VIRANDO INCERTEZA,
VIRADA NO MUNDO,
ESQUECIDA DE TI.

domingo, 1 de abril de 2012

UM POUCO MAIS DAQUELAS CHINFRAS RIMAS



 














Tudo bem:
Que venha o novo
que vença o outro,
Que eu seja sonho
de prata, bronze
merda e ouro.
Tudo bem:
Que eu apenas faça
no mundo todo,

todo mundo
arder, arder
feito brasa.
De fogo intenso,

também fogo-fátuo,
também fogo febril,

louco fogo de palha,
longo fogo também.