domingo, 15 de julho de 2012

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO


PRECISA-SE
Chamava-se Osvaldo. Um cara comum. Cinquenta e seis anos, funcionário público municipal, signo de virgem, torcedor do Fluminense. Acima do peso. Separado duas vezes. Sem filhos, sem seguro de vida, sem maiores planos.
Durante a semana, após o expediente, no começo da tarde, passava inexoravelmente no bar de seu Dodô, onde tomava duas ou três doses com um caldo de feijão preto. Conversava com os colegas, habitués do bar como ele, lia o jornal, rabiscava algumas anotações na agenda.
Perto das cinco da tarde, dirigia-se para o ponto de ônibus na avenida ali perto, pegava o 48 e chegava a sua casa a tempo de tomar um banho, preparar um sanduíche de mortadela e assistir à novela.
Acordava às seis e quinze da manhã, com o rádio anunciando as primeiras notícias do dia. Fuga no presídio estadual, greve dos bancários, acidente de carro na zona norte com três mortes, corrupção no senado nacional.
Fazia a barba, como todas as manhãs, aparando cuidadosamente o bigodinho fino. Vestia a camisa de botão que Alzira, a mulher que vinha duas vezes por semana para limpar, lavar e passar, deixara cuidadosamente no guarda-roupa. Passava uma gota de água de cheiro no pescoço e ia tomar um café preto com tapioca no Seu Pedro da esquina.
Antes das oito chegava ao trabalho. Cumprimentava o porteiro, batia o ponto no relógio de ponto, bebia um copo d´água no seu copo reservado no refeitório, sentava à sua mesa de trabalho com um pequeno suspiro. Mais uns anos e se aposentaria.
Pra quê?
Na hora do almoço, ia com alguns colegas do trabalho no self-service de sempre. Comia bife com batatas, como sempre. Assistia um pouco ao noticiário da TV, como sempre. Pendurava a conta para pagar no começo do próximo mês.
Voltava para a repartição, cumpria mais algumas demandas e logo mais saía. Batia o ponto no relógio de ponto, despedia-se do porteiro e ganhava a rua, cheia de gente, automóveis, árvores, informações.
Pois naquela quarta-feira de setembro, Osvaldo deteve-se, em dado momento de seu caminho rumo ao bar de seu Dodô, diante de uma daquelas informações. Na janela de uma casa onde parecia funcionar algum comércio, leu numa placa escrita à mão:
PRECIZA-SE DE UM AMOR
Ficou parado, olhando a placa, ligeiramente confuso, como quem não sabe o que deve fazer. Olhou para a casa, contemplando sua fachada meio antiga. Portas fechadas. Afinal, pôs-se novamente em marcha e seguiu para suas duas doses e seu caldo de feijão preto, distante dali a uns três quarteirões.
No dia seguinte, já ao sair da repartição, Osvaldo lembrou-se da placa e sentiu aumentar a curiosidade. Estava lá, no mesmo canto, na casa de número 33, o mesmo aviso:
PRECIZA-SE DE UM AMOR
Novamente parou e contemplou por um instante a placa, um pouco desconfiado, olhando ao redor. Ainda tentou mostrá-la para um dos transeuntes que seguiam pela mesma calçada;
- Olha só que coisa...
Mas o homem que passava não lhe deu a menor atenção, seguindo para o seu destino desconhecido. Viu que as portas continuavam fechadas e, meio frustrado, foi embora.
No dia seguinte, sexta-feira, ao despertar do rádio, ainda na cama, Osvaldo decidiu desvendar aquele pequeno mistério. E, ao final do serviço, bateu o ponto apressado, como também se despediu apressadamente do porteiro, ganhando a rua quase às carreiras. Chegou diante do número 33 e viu, novamente, a placa com o mesmo aviso:
PRECIZA-SE DE UM AMOR
Percebeu, então, as portas abertas. Lá dentro, uma sala branca, limpa, com um ventilador de teto, um birô e três cadeiras encostadas junto à parede. Na mesa, folheando uma revista, uma jovem mulher.
Um tanto constrangido, Osvaldo decidiu-se e subiu os três pequenos degraus, entrando na sala. Não fazia a menor ideia do que funcionava ali e mal se atreveu a gaguejar:
- Dá licença, moça... Essa placa, aqui fora...
A mulher mal ergueu a cabeça da revista, olhou para ele e, após um rápido instante, deu um profundo suspiro. Apenas declarou:
- Acho que não se aplica...
- Desculpe, não entendi...
- Não se aplica ao senhor. Sinto muito.
Osvaldo ficou ali parado, rente à porta, olhando a mulher. Ela não era nem bonita nem feia. Tinha um que de tristeza no olhar. Permaneceu calada, observando Osvaldo, que não sabia o que dizer. Afinal, ele saiu daquele torpor:
- Eu sei, minha filha, só vim dizer que está escrito errado.
E virou-se num rompante, dando as costas para a jovem e retirando-se dali para sempre. 
Foi para o bar de seu Dodô, onde bebeu suas duas doses e tomou seu caldo de feijão preto. Ao final da tarde, pegou o ônibus 48 e foi para casa.
À noite, depois do banho, do sanduíche de mortadela e do capítulo da novela, deitou-se em sua cama para dormir e chorou de tanta solidão.

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