PRECISA-SE
Chamava-se Osvaldo. Um cara
comum. Cinquenta e seis anos, funcionário público municipal, signo de virgem,
torcedor do Fluminense. Acima do peso. Separado duas vezes. Sem filhos, sem
seguro de vida, sem maiores planos.
Durante a semana, após o
expediente, no começo da tarde, passava inexoravelmente no bar de seu Dodô,
onde tomava duas ou três doses com um caldo de feijão preto. Conversava com os
colegas, habitués do bar como ele, lia o jornal, rabiscava algumas anotações na
agenda.
Perto das cinco da tarde,
dirigia-se para o ponto de ônibus na avenida ali perto, pegava o 48 e chegava a
sua casa a tempo de tomar um banho, preparar um sanduíche de mortadela e
assistir à novela.
Acordava às seis e quinze da manhã,
com o rádio anunciando as primeiras notícias do dia. Fuga no presídio estadual,
greve dos bancários, acidente de carro na zona norte com três mortes, corrupção
no senado nacional.
Fazia a barba, como todas as
manhãs, aparando cuidadosamente o bigodinho fino. Vestia a camisa de botão que
Alzira, a mulher que vinha duas vezes por semana para limpar, lavar e passar,
deixara cuidadosamente no guarda-roupa. Passava uma gota de água de cheiro no
pescoço e ia tomar um café preto com tapioca no Seu Pedro da esquina.
Antes das oito chegava ao
trabalho. Cumprimentava o porteiro, batia o ponto no relógio de ponto, bebia um
copo d´água no seu copo reservado no refeitório, sentava à sua mesa de trabalho
com um pequeno suspiro. Mais uns anos e se aposentaria.
Pra quê?
Na hora do almoço, ia com alguns
colegas do trabalho no self-service de sempre. Comia bife com batatas, como
sempre. Assistia um pouco ao noticiário da TV, como sempre. Pendurava a conta
para pagar no começo do próximo mês.
Voltava para a repartição, cumpria
mais algumas demandas e logo mais saía. Batia o ponto no relógio de ponto,
despedia-se do porteiro e ganhava a rua, cheia de gente, automóveis, árvores,
informações.
Pois naquela quarta-feira de
setembro, Osvaldo deteve-se, em dado momento de seu caminho rumo ao bar de seu
Dodô, diante de uma daquelas informações. Na janela de uma casa onde parecia
funcionar algum comércio, leu numa placa escrita à mão:
PRECIZA-SE DE UM AMOR
Ficou parado, olhando a placa,
ligeiramente confuso, como quem não sabe o que deve fazer. Olhou para a casa,
contemplando sua fachada meio antiga. Portas fechadas. Afinal, pôs-se novamente
em marcha e seguiu para suas duas doses e seu caldo de feijão preto, distante
dali a uns três quarteirões.
No dia seguinte, já ao sair da
repartição, Osvaldo lembrou-se da placa e sentiu aumentar a curiosidade. Estava
lá, no mesmo canto, na casa de número 33, o mesmo aviso:
PRECIZA-SE DE UM AMOR
Novamente parou e contemplou por
um instante a placa, um pouco desconfiado, olhando ao redor. Ainda tentou
mostrá-la para um dos transeuntes que seguiam pela mesma calçada;
- Olha só que coisa...
Mas o homem que passava não lhe
deu a menor atenção, seguindo para o seu destino desconhecido. Viu que as
portas continuavam fechadas e, meio frustrado, foi embora.
No dia seguinte, sexta-feira, ao
despertar do rádio, ainda na cama, Osvaldo decidiu desvendar aquele pequeno
mistério. E, ao final do serviço, bateu o ponto apressado, como também se
despediu apressadamente do porteiro, ganhando a rua quase às carreiras. Chegou
diante do número 33 e viu, novamente, a placa com o mesmo aviso:
PRECIZA-SE DE UM AMOR
Percebeu, então, as portas
abertas. Lá dentro, uma sala branca, limpa, com um ventilador de teto, um birô
e três cadeiras encostadas junto à parede. Na mesa, folheando uma revista, uma
jovem mulher.
Um tanto constrangido, Osvaldo
decidiu-se e subiu os três pequenos degraus, entrando na sala. Não fazia a
menor ideia do que funcionava ali e mal se atreveu a gaguejar:
- Dá licença, moça... Essa placa,
aqui fora...
A mulher mal ergueu a cabeça da
revista, olhou para ele e, após um rápido instante, deu um profundo suspiro. Apenas
declarou:
- Acho que não se aplica...
- Desculpe, não entendi...
- Não se aplica ao senhor. Sinto
muito.
Osvaldo ficou ali parado, rente à
porta, olhando a mulher. Ela não era nem bonita nem feia. Tinha um que de
tristeza no olhar. Permaneceu calada, observando Osvaldo, que não sabia o que
dizer. Afinal, ele saiu daquele torpor:
- Eu sei, minha filha, só vim
dizer que está escrito errado.
E virou-se num rompante, dando as
costas para a jovem e retirando-se dali para sempre.
Foi para o bar de seu
Dodô, onde bebeu suas duas doses e tomou seu caldo de feijão preto. Ao final da
tarde, pegou o ônibus 48 e foi para casa.
À noite, depois do banho, do
sanduíche de mortadela e do capítulo da novela, deitou-se em sua cama para
dormir e chorou de tanta solidão.
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