Ontem,
por acaso (e, por isso, da melhor maneira), chegou às minhas mãos um livro que
me embeveceu logo de cara: Cinco Contistas Potiguares, numa edição bem
bonitinha de bolso, das eras em que a Fundação José Augusto ainda promovia
concursos literários na cidade, com capa de Aucides/Enoch. Do concurso,
realizado em 1975, resultou a publicação, no ano seguinte, num delicioso
encontro entre Rubem G. Nunes ("Humanóide Trijatóide"), Fernando
Gurgel Pimenta ("Ah, meu pudor literário"), o cearense Francisco
Sobreira Bezerra ("O último dia"), Otacílio Lopes Cardoso
("Velório") e Clotilde Tavares ("Esperando Paulinho”).
Clotilde
abre o livro e, também de cara, já me conquistou. Para além do fato de ser a
única contista entre homens naquela publicação, sua narrativa inicia-se com um
diálogo, a história começa já em andamento e apelando para que nós, seus
leitores, tenhamos fôlego e corramos atrás de pegar o bonde do enredo. Gosto de
histórias assim, que não fazem concessões e exigem do leitor, você lê se quiser
e gosta se quiser também.
Mas
ela vai dando as pistas facilmente, quase com doçura. Logo estamos pensando e
sentindo como a narradora-personagem, dividida entre o ódio pela chefe do
hospital onde trabalha e a saudade do homem que a deixou prometendo voltar.
Dele, restou um fruto ainda de primeiros meses.
Outra
coisa de que gosto em contos e na qual penso, por enquanto, como mola para
mover minha escrita: uma história vai se passando em paralelo e é no final que
ela vem à tona, quase nos estarrecendo pelo corte súbito com que se apresenta e
que coincide, justamente, no desfecho do conto:
Sempre pensando em Paulinho, vai até o guarda-louça e
tira um cálice dos fininhos. Vidro tão fino, tão delicado. Na tábua de bater
carne, Eulália quebra o cálice com o batedor desmancha o vidro tão fino em
poeira, fininha fininha. Com cuidado, coloca o vidro pisado dentro do pão.
Paulinho se mexe dentro dela e lhe dá uma sensação gostosa, quente, de quem
está guardando com muito cuidado uma coisa tão boa.
- Dona, me dê uma esmola...
Abre a porta devagar e estende o pão com doce que as mãos
famintas seguram logo.
Narrativa
breve, que vem e acontece. Que trata de questões com que eu, não só pela
condição de mulher, mas de ser gente (será?), compartilho – trabalho e afetos,
solidão e decisão, fato e incerteza, o duro e o sutil...
Sem
falar que a narrativa, como que quebrando com a atmosfera pesada que se arma,
termina com a cena de um ser rindo, exercendo essa dádiva humana, para além de
que tipo de riso se trate:
-Deus lhe abençoe, dona.
- Amém, diz Eulália. Volta para a cozinha, senta num
tamborete e começa a rir baixinho.
Gostei,
clara e louca Clotilde!
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