sexta-feira, 19 de agosto de 2011

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO



BACTÉRIA
Quando chegou de viagem foi que soube. Ela simplesmente morreu. Dois dias antes dele voltar. Morta, ela estava morta. Como é que essas coisas acontecem? Como é que alguém simplesmente morre em sete dias? Como é que ela morria assim, e, já defunta, também enterrada?
Soube porque começaram a ligar logo para ele. Já chegou? Já está na cidade? Já soube de Luciana?
E daí Luciana? Luciana era como Lygia, que era como Liana, que era como Liomar, que era como Lea, que era como a figura da carta 11 do Tarô, A Força, leão a ser domado, leão em que ser transformado... Luciana morreu. Uma bactéria a matou. Um descuido, talvez. Uma fatalidade, decerto. A vida. Essa vida cheia de acasos e ocasos. Pois Luciana morreu. Bastava ir ao cemitério do Alecrim. Era lá onde ela estava agora então.
Logo no Alecrim, pensava, no carro, enquanto lágrimas incontidas escorriam silenciosas pelo rosto. Na feira do Alecrim, um dia, selaram paz às seis horas da manhã, as primeiras horas abertas do dia. A hora mais fresca e sábia do dia, como falou um dia Melville, o momento logo depois em que acorda o homem para mais um dia.
Viu-a na feira, comendo tangerina. Triturando todo o bagaço... Ela devorava a fruta e certamente alimentava delírios que ele não suporia jamais. E havia favas, e pinhas, e havia também o amor, efêmero, fugaz, impermanente como tudo.
Luciana morreu. Ele penava assim, a caminho de seu pequeno apartamento, aquele que foi um dia refúgio, ponto de fuga. Precisava saber. Precisava chegar lá, tocar a campainha, entrar e encontrá-la deitada na rede à sua espera numa tarde chuvosa de domingo... Precisava saber que não era verdade, que ela estaria ali, viva, muito viva como sempre havia sido, sempre, com seu olhar, seu jeitinho meio tolo de se comportar quase sempre, sua dimensão magrinha de ser... Precisava ver para crer que ela não estava morta, que ainda vivia ali e o esperava, sempre alerta, sempre ali, desde sempre, o sempre, absoluto e infindável, o sempre dos olhos virados, das estrelas no céu, da saudade que se mata entre quatro paredes, no balanço da rede, na fuga da monotonia da tarde de domingo e da angústia do existir cujo fim é a bactéria.

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