quarta-feira, 20 de junho de 2012

PICHAÇÃO NA ESCOLA

PICHAÇÃO NA ESCOLA
Assisto pela TV em noticiário local à notícia de que uma escola pública estadual foi pichada. A escola, tradicional, localizada no bairro do Alecrim, em Natal, funciona, ao que parece, em um prédio da Marinha. Sim, havia tinta na porta da direção, sobre mesas e cadeiras, sobre trabalhos escolares dos alunos e até mesmo em um aparelho de televisão. Mas as definições dos jornalistas (âncora e repórter da matéria) para o ato foram muito mais contundentes que as imagens mostradas: supostamente havia inscrições, mas estas não foram mostradas e sim enfaticamente anunciadas como sendo “palavras de baixo calão”. Os autores, desconhecidos, taxados como “vândalos”. E todo o ato de pichar uma escola ficou reduzido a “desrespeito ao patrimônio”. E só.
Antes de cair em lamentações sobre o mundo que está perdido com a juventude de hoje ou sobre tudo ser culpa do crack (aliás, curiosamente o tema da reportagem anterior no mesmo noticiário), fico pensando na força emblemática desse ato. Antes de considerá-lo como um mal (ou um bem?) em si mesmo, penso no seu caráter político, ainda que seus autores talvez não tivessem o menor interesse nisso ou projetassem a condição simbólica a qual, depois de feito, o ato de pichar uma escola pode assumir.
Não deixa de ser triste, evidentemente, pensar no sentimento de rejeição que mães, professores e alunos dessa escola podem ter sentido. Picharam nossa escola! Cada jato do spray de tinta deve ter jorrado como um cuspe de desprezo sobre a instituição que, ruim ou boa, faz parte de nosso cotidiano, nossa vida.
Mas que escola é essa? Como estão as suas estruturas físicas? Seus professores são devidamente pagos e bem capacitados? Mais do que uma obrigação regida por lei, a educação pública é mesmo de qualidade? Seus gestores, em todas as esferas, se preocupam de fato com a aprendizagem dos estudantes? As verbas são equitativamente suficientes?
Não quero dizer que as possíveis respostas para essas questões justifiquem tal ato. Mas penso que, além de ser um debate que deve vir sempre em primeiro lugar quando se discute a escola, talvez estejam aí as condições de possibilidade para que esse ato, e não outro, fosse realizado.
Por que os autores das pichações escolheram especificamente uma escola para pichar? Por que não apenas mais um muro da cidade? Será a adrenalina maior? O desejo de aparecer na grande mídia e reconhecer-se, em grupos subterrâneos, como os “heróis” de tal empreitada? Apenas resultado de uma mente “anormal”?
Volto a insistir na dimensão de poder que esse gesto de pichar uma escola representa. Não o poder econômico, central, que se exerce supostamente apenas de cima para baixo, mas o poder difuso, que se exerce a todo o momento, em todo tipo de relação e em pequenas instâncias, nas microfísicas de uma sociedade que de ordenada e serena não tem nada. Por mais que haja grupos, rituais, organismos e dispositivos que insistem em manter/aparentar certa ordem e escamotear o esfacelamento dessa sociedade, da escuridão do silenciamento e da exclusão, aqueles considerados como restos teimam em vir à tona, rangem dentes e mostram a sua fúria com seu cuspe de desprezo.
O ato de pichar uma escola me parece um grito. Seja um grito revoltado, seja um grito cínico, o grito de alguém que diz: existo!

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