segunda-feira, 20 de junho de 2011

UM POEMA PORTUGUÊS



Deslumbramentos

Milady, é perigoso contemplá-la
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, senguindo-lhes as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!…

Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina…
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!…

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como a um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!

Cesário Verde

Um comentário:

  1. Breve contraponto:

    ALUMBRAMENTO
    Eu vi os céus! Eu vi os céus!
    Oh, essa angélica brancura
    Sem tristes pejos e sem véus!

    Nem uma nuvem de amargura
    Vem a alma desassossegar.
    E sinto-a bela... e sinto-a pura...

    Eu vi nevar! Eu vi nevar!
    Oh, cristalizações da bruma
    A amortalhar, a cintilar!

    Eu vi o mar! Lírios de espuma
    Vinham desabrochar à flor
    Da água que o vento desapruma...

    Eu vi a estrela do pastor...
    Vi a licorne alvinitente!
    Vi... vi o rastro do Senhor!...

    E vi a Via-Láctea aedente...
    Vi comunhões... capelas... véus...
    Súbito... alucinadamente...

    Vi carros triufais... troféus...
    Pérolas grandes como a lua...
    Eu vi os céus! Eu vi os céus!

    - Eu vi-a nua... toda nua!
    Manuel Bandeira

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