quinta-feira, 31 de maio de 2012

POEMINHA PARA NENÉM

Os pelos crescem.
Os juros também.
Tremem as manchas na pele
e tumores em silêncio
tumultuam Neném.
E dormem. E esquecem.
Sol nasce
e desce
todo dia.
Todo dia eu acordo.
Olho para mim,
suspiro e digo:
Tudo bem.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

EU NÃO ME CANSO DESSE CARA...

"Que me resta? Um coração fatigado e impertinente, uma vontade instável, asas trêmulas, uma espinha quebrada. Esse afã de correr em busca da minha morada, sabes Zaratustra? Esse afà foi minha obsessão; devora-me.
Aonde está... a minha morada? Eis o que pergunto, o que procuro, o que procurei e não encontrei. Ó, eterno "em toda parte!" Ó, eterno "em parte nenhuma!" Ó, eterno "em vão!"
Não é pequeno o teu perigo, espírito livre e vagabundo! Tiveste mau dia; cuidado não se lhe siga uma noite pior."

domingo, 27 de maio de 2012

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

DA MENSAGEM NENHUMA

A cada cinco ou três minutos, ele consultava o celular. Até que um torpedo – essas mensagens digitais via aparelho de telefonia móvel (é bom esclarecer ao leitor de daqui a trezentos anos, mesmo que não exista) – chegou para lhe dizer: ninguém ligou para você. Ninguém pensa em você. Nem para sequer falar mal de você alguém se ocupou nos últimos trezentos minutos.
Ele seguia pela avenida, debaixo de um sol enlouquecedor. Quarenta graus à sombra. Sentia que o que sobrara de juízo escapava pelo suor que gotejava por todos os poros da cabeça e do corpo. Mas não interrompia sua marcha. O que se há de fazer? consolava-se, dando de ombros. Enquanto isso, a vida segue, o mundo gira. Nele, bilhões de pessoas com dramas piores ou melhores que esse.
Mas, pensando bem, o que define a qualidade de um drama? O que faz de um drama melhor ou pior que outro?Importância e relevância para a humanidade? Grau e condição de ridículo e patético?
A pergunta, na verdade, é outra: por que esse drama sempre a perseguir? Isso era o que afligia sua alma, outra vez.
Ele tentou telefonar para alguém a fim de reproduzir aquela pérola de pergunta, enquanto seguia avenida adiante, o sol sobre a cabeça, o sal da vida intensa a lhe angustiar...
Não obteve linha.
Pensava assim seguindo em sua caminhada quando, de repente, ao se aproximar de uma parada de ônibus, viu uma mulher, a poucos passos, mostrando para um homem ao lado o seu aparelho de celular. Ele viu então, nitidamente, uma imagem no visor: um lago enquadrado em moldura.
Não houve tempo mais para nada. Quando deu por si, caía no lago e afundava em águas frias e escuras. Assustado, bateu pernas e braços e conseguiu emergir das profundezas do frio lago. Batendo os queixos, nadou até a margem, onde se arrastou e caiu deitado sobre terra e grama, exausto não pelo esforço e sim pelo susto. Calma, deixa eu recuperar meu fôlego para poder atinar melhor.
O que aconteceu?
Sentou-se, olhando ao redor. Da avenida por onde seguia, com seus carros e semáforos, prédios e pedestres, nenhum sinal. Estava simplesmente no meio do nada, apenas ele e o lago à frente. Um clima nublado e um vento frio, a sacudir as folhagens de algumas árvores dispersas aqui e ali, um monte ao longe, distante. Nenhum sinal de vivalma por perto.
Por trás de si, notou uma pequena vereda que terminava no lago. Só me resta segui-la, pensou, torcendo a camisa encharcada e tirando os sapatos e meias. Pôs-se novamente a caminhar, tal como fazia minutos atrás. Mas sem mais o calor alucinante do sol de antes: agora sentia frio e um misto de vertigem, susto e medo por aquele desconhecido. Seguia pela vereda e percebia o terreno elevando-se, exigindo do corpo mais empenho na sua marcha.
Depois de muito caminhar, parou. Olhou para trás e viu o lago, ao longe. E tal como estava, descalço e molhado, seguindo não sabia para onde, deu novamente de ombros, aceitando sua condição de ser só.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

UMA NOITE DE BODE




E como fosse noite de lua nova, Alice N. decidiu encarar a chuvinha fina que caía para ver o que se havia para ver no mundo. Na cidade, acontecia um circuito de performances. Oba! pensou Alice N. e lá se foi em busca de acaso e de novas impressões para suas retinas.
Mas não se sabe se pela chuva ou se pelo tom carregado de solenidade, o certo é que os ossos de Alice N. gelaram. E ela pensava com seus botões que o bom de um circuito de performances é mostrar e ver o quanto a vida e a realidade são pura invenção e que em tudo a poesia espreita.
Mas onde a leveza da poesia?
As intervenções todas carregadas de uma não espontaneidade, freando a naturalidade da vida que acontece, independentemente dos conceitos dos heppenings... Ai, ai, Alice N., o problema é seu se seu real não se ajusta. Sim, Alice N. não se ajusta, delirava ela, enquanto olhava para o bode que, exposto na dignidade de seus grandes testículos, não podia nem optar por não ser incessantemente escovado pela atriz que, no entanto, incomodou-se com a pergunta de um inocente leitor que passava por ali:
- Posso tirar uma foto dele?
Logo ali ao lado, um arremedo do que sejam pegações em banheiros públicos performatizado por um poeta impossível. Mas, contradição, logo ele, que era contra as microditaduras do cotidiano, exigiu uma fila do lado de fora. Tudo bem, vai ver que a longa espera para entrada de um por um fosse necessária para dar um efeito de intimidade... Mas o que dizer da porteira que, regulando a entrada, impunha uma filmadora digital para cada um que entrava e, por conseguinte, também um tipo de olhar?
Ai, Alice N., por que você tem que polemizar tudo?
Mundo, mundo, vasto mundo...
Ainda encontrou o publicitário boa-praça e foi tomar com ele uma cerveja. Em dado momento da conversa, ele dispara que ela não passa de uma professorinha de quinta categoria. Já ouviu isso antes, Alice N. E, sem saber se aquilo soava como ofensa ou elogio, pensou que todo mundo tem opinião formada sobre tudo, sobretudo sobre o que não se conhece bem.
E como Natal não consagra nem desconsagra ninguém, Alice N. resolveu se despedir e encarar a chuvinha que insistia em cair.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

RELATO PESSOAL E INTRANSFERÍVEL DE UMA MARCHA




No domingo de manhã, após meter a faca no peito de dezesseis caranguejos e jogá-los numa panela com água e sal, conforme aprendi, tomei o rumo da praia, a caminho da marcha. Enquanto eu seguia em direção ao local de concentração, eu pensava na minha incerta condição de militante, nas poucas passeatas de que participei: o Fora Collor, pela meia passagem estudantil, em favor das árvores do Benfica e finalmente ali estava eu, em busca de uma causa na qual eu – por enquanto – pudesse mesmo acreditar: pelo fim da proibição do plantio e consumo da cannabis sativa.
Sim, por que não fumar maconha?
E eu só pensava naquele poema: eu não milito / militar / me limita.
No calçadão da praia, o primeiro encontro: um homem me para no meio do caminho. Avisa que é de Fortaleza e pergunta o que há mais para se ver ali. Estávamos no coração da Praia dos Artistas, um dos meus pontos prediletos desde que cheguei a Natal, quase dois anos antes. O velho hotel abandonado, lembrança de tantas aventuras passadas por mim desconhecidas, o encontro das ondas nos rochedos, a ponte nova toda ostensiva logo mais a oeste, tudo para mim era paisagem de afeto e gratidão. Em resposta, afirmei que era eu também de Fortaleza, mas que só enxergava quem sabia ver. Disse assim num impulso, olhando a figura patética que reclamava que aquilo ali não prestava. A humanidade é que não presta, moço, falei ainda, me afastando.
Logo em seguida, o segundo encontro: ao passar pelo décimo terceiro quiosque, finalmente encontro uma latinha de Skol para aliviar minha(s) sede(s). Dentro da barraca, ouço uma voz de mulher reclamar pelo troco que era necessário – tirar dois de dez reais, ao que eu respostei alguma coisa. A dona da voz quis devolver o dinheiro, apareceu na porta e me encarou por um segundo, dizendo – tome! Mas aí eu já abria a lata e tomava aquele gole. Calma, senhora! Ela deu o troco e eu segui.
No céu, o sol ardia. E ardia também em mim o sol da vontade. Um terceiro encontro, aquele tão desejado, para narrar os que vieram antes, para narrar a mim mesma e, assim, quem sabe, existir. Essa era a minha vontade: a de existir.
Então pintei cartaz. Então gritei grito de ordem. Conclamei turistas que sorriam com suas máquinas fotográficas digitais, querendo reter o espetáculo do instante. Marchei na avenida, querendo crer em alguma causa, a do meu prazer particular e partilhado, mais sincera que muita seita ou partido.
Assim, como sempre soendo ser, a tarde fluiu, a marcha terminou e a massa se dispersou. Saí à francesa e genuinamente potiguar naquelas paragens das Rocas tão minhas, mesmo que talvez nem merecesse. Saí sem o terceiro encontro esperado, esperança adiada para um improvável mas não impossível devir.
Um consolo havia: os caranguejos me esperavam!
E depois, depois de lamber os dedos, de volta para casa, não é que um carro me para na rua e o motorista se apresenta?
– Sou eu, de Fortaleza, que encontrei você há pouco na praia...
– Ah... – foi a resposta deslumbrada.
– Para onde você vai?
– Para alhures.
E outra vez marchei na direção contrária.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

um haikai para meus ais

TEMPO:
CERTO DIA, ACERTO.
NOUTRO, TENTO

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

ORDINÁRIA MESMO BONITINHA



Era ela aquilo que, em determinado momento, e sob determinadas condições de possibilidade, se convencionou chamar “periguete”. Em outras palavras, dialogando com o vocabulário rodrigueano, podia-se dizer dela – ordinária mesmo bonitinha.
Com suas mechas oxigenadas no salão do bairro de periferia onde morava, era ela toda lábios carnudinhos, língua estalando e tinindo, dentes brancos e brilhantes para todas as possíveis chupadas e chupões. Ela era um primor. Mas o que tinha de gostosinha e de gata gulosa, tinha também de burra. Um poço de burrice. Era burra feito uma porta. E como porta, a parte mais inteligente de si era mesmo o seu buraco de fechadura. 
Pois a periguete perigava nas beiradas do abismo da espera. Esperava seu macho num bar. Enquanto bebiscava uma cerveja, olhava-se no espelhinho do estojo de maquiagem, e retocava o batom muito pink, e olhava o celular a cada três minutos e treze segundos, e chafurdava na bolsa com estampa de oncinha à procura de não sabia o que. O fim da espera. O desejo atendido. A plenitude. Pensava em palavras a serem ditas como forma de castigo, e de afagos a serem feitos como forma de perdão, e atinava e delirava e esguichava na calcinha pequenos fluidos o desespero daquilo que com que, na sua cabecinha de jumenta, não atinava em como lidar.
 – A solidão.
Porque era burrinha feito uma porta, a ordinária.
E foi esperando, esperando, esperando enquanto o macho... Ai, o macho...
O macho marchava rumo a matinês magistrais. Na sua marcha, o pau, muito duro e roliço, vibrava dentro da calça toda a sua potencialidade humana. O tal macho manifestava sua maquiavélica e maligna magnitude, pensando que seria bom que sua menina esperasse uma horinha por ele. Assim ela fica mais caidinha ainda, concluía, com um sorriso cretino de satisfação, como quem se sobeja no que julga ser sabedoria...
E se o macho era todo vaidade, aquela fêmea era pura autocomiseração.
“Fiquei sozinha um tempão”, pensava a Periguete em choramingar para seu macho assim que ele surgisse. E já ensaiava caras e bocas de drama, mergulhada, com um pequeno prazer, na piedade por si mesma. Tadinha da periguete, não conseguia ficar sozinha consigo mesma alguns minutos...
Enquanto isso, o macho, no outro lado da cidade, se fartava...
A burrinha foi então começando a tremer a perna esquerda. O mijo vinha se anunciando.
Ai, sou todo corpo, sim, e nada além dele.  Um filósofo póstumo anunciou isso. E a loirinha, abismos de anos-luz de tal pensamento, tremendo a perna, temia se ausentar: seu macho poderia passar no conversível em frente ao bar e, não a vendo, teria assim uma desculpa para se safar.
Os perigos do pensamento.
Enquanto isso, a Europa tremia. Adeus, Euro. Tudo é impermanente, sim, o filósofo falou. E qualquer corpo sente isso na pele. Também a loirinha sentia e seus beicinhos tremiam também, a pedir beijos e tapas, uma salvação qualquer para saber-se viva e saber a vida verdade.
Mas é tudo só vontade. Vontade de verdade...
E a loirinha, em idioma mental intraduzível por qualquer que seja o enunciado, só pensava consigo mesma:
O que fazer?
Mijar ou esperar?
Virá o macho me salvar?
Antes, o mijo vai te molhar, Periguete. Eu quis dizer isso pra ela, mas qualquer um sabe melhor do que ninguém de seus próprios dilemas, das escolhas por fazer e consequências por se aturar. Quem era eu para dizer isso a ela?

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O LIVRO DE CONTOS DE ALICE N.

LANÇAMENTO DIA 5 DE MAIO DE 2012 (SÁBADO)
NO BARDALLO´S, A PARTIR DE 17h.
COM LEITURAS DRAMÁTICAS E DJ´s.