terça-feira, 31 de janeiro de 2012

RIMAS CHINFRAS

Viver é:
Foi-se
O que há de ser.

***

Saudade:
Um vulto que,
nu,
desfila na cozinha
e diz, em sussurro -
boa e ruim, ruim e boa
a solidão
essa minha.

domingo, 29 de janeiro de 2012

AFINAL, LAMPIÃO MORREU MESMO NA GRUTA DE ANGICO NO ANO DE 1938?


Eu nem era assim tão fã do tema cangaço, mas, outro dia, errando na cidade do Crato, entrei no Sebo Kariri  e encontrei uma curiosidade, no mínimo, polêmica, que me deixou um tanto intrigada: o livro "Lampião, o invencível: duas vidas, duas mortes - o outro lado da moeda", de José Geraldo Aguiar.
A tese defendida pelo autor é de que Virgulino Ferreira, o famigerado Capitão Lampião, teria morrido aos 96 anos de idade, mais precisamente em 3 de agosto de 1993, numa pequena cidade a noroeste de Minas Gerais. De acordo com o autor, após 17 anos de pesquisa, coletando depoimentos e documentos diversos, dentre os quais o próprio relato do famoso cangaceiro, com quem conversou sob a alcunha de João Teixeira Lima, Lampião teria feito um acordo com a polícia de Sergipe para deixar o cangaço. Assim, o tenente Bezerra, ao contrário de assassino, foi o amigo que colaborou com sua fuga, assim como Pedro de Cândido, considerado na versão oficial como coiteiro traidor. Lampião e Maria Bonita teriam se escondido numa fazenda na Bahia por seis meses e depois foram para Minas Gerais, onde viveram clandestinamente em várias cidades.
E as famosas cabeças expostas na feira? Segundo o autor, eram de ladrões e assassinos ordinários. A suposta cabeça de Lampião, aliás, seria de um criminoso chamado Zé do Sapo, que teve a infeliz coincidência de também ter o olho direito vazado...
É ler para crer. Ou não.

(AGUIAR, José Geraldo. "Lampião, o invencível: duas vidas, duas mortes - o outro lado da moeda". Brasília: Thesaurus, 2009. 276 p.)
Contato com o autor: j.geraldo.aguiar@bol.com.br

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

Ninguém deu por falta, ninguém pediu, ninguém reclamou. Mas ei-los outra vez: os continhos ordinários de Alice N.

NO MEIO DO CAMINHO, A PRAIA

Não teria mais que oito anos. Portava-se feito homem – além de uma musculatura precocemente desenvolvida, era sério em sua missão: vender cofres de madeira, talhados em forma de casinhas, em mais um domingo de sol na Praia do Meio.
Trabalhar, estava ali para trabalhar, acima de tudo, mas, ai, com aquele sol, com aquele mar, com todo aquele povo brincando, comendo, bebendo, relaxando, vivendo... Entre os risos e gritos, no meio das gentes de todos os tipos – crianças, velhos, moços e mulheres – era preciso concentração e força de vontade para perceber possíveis compradores e não se distrair com os divertimentos convidativos da manhã. Fácil não era mesmo.
Por isso seguia carrancudo, nos passinhos medidos, sob o peso das tralhas que levava.
Até que não deu mais. Uma voz impregnante não parava de soar na mente e pinicar por todo corpo. Voz da Vontade:
– Vamo cair no mar?
Olhou para as mesas, aquele ali, ele tem boa pinta, foi decidido oferecer a mercadoria e diante do pronto não, pediu:
– Olha pra mim enquanto que eu vou no mar?
Grande manobra para depositar a carga no chão e sobre as cadeiras vazias. Depois tirar a pequena bermuda gasta, dobrá-la sobre a mesa e só aí então: carreira desenfreada.
Ai, água que nos lava e nos redime de todas as dores do mundo! Salve Iemanjá! Salve Netuno, salve Moby Dick, Capitão Nemo e seu Antônio das Rocas. Viva o mar!
A alegria do mergulho arriscado e a completude do retorno com o corpo a boiar, deixando se levar, ao sabor das ondas que vierem...
Era assim o banho quando de repente – oh, por que não esquecer? – a lembrança da mãe, brandindo cinto na mão, furiosa, saltou à mente e lhe avisou – hora de ir, retomar a venda das casinhas, cofres de felicidade futura, pura ilusão.
Voltou, o corpo moreno e miúdo brilhando a água salgada e a emoção. Vestiu-se e começou a juntar os sacos com os cofres, sendo que teve a infeliz ideia de contar as casinhas. Eram dez, a princípio.
Mas ali, naquele instante, havia nove.
Bronca...
Engolindo em seco, com o sal do mar nos lábios, contou novamente. Duas, quatro, seis, nove. Não tinha jeito. Percebeu, sem saber o que fazer, que o moço olhava para ele, como quem se põe aguardando. Encarou, então, sem desviar o olhar:
– O senhor vai ficar com ela?
Primeiro, uma rápida expressão de espanto foi o que viu no rosto do estranho, com aquele bigode a pretender compensar a careca. Depois, viu a careta de um riso forçado, mas com traços já enviesados de embriaguez.
– Ficar com o quê? – falou, bancando o sonso.
Continuava a encarar o estranho, pés riscando a areia da praia, e respondeu, quase num sussurro:
– A casinha. É um cofre.
– E o que você tá querendo dizer? – continuou o homem, com língua enrolada.
– Era dez casinha, agora só tem nove...
O estranho levantou-se e, de pé, fez-se enorme.
– Cai fora daqui, moleque!
Não teve opção. Assim como era obrigado a vender cofres no domingo na praia, teve que recolher seus sacos e ir embora. Lançou ainda um olhar de ódio profundo para o estranho, que emborcava o copo de cerveja.
Depois, mais tarde, ao pôr do sol, estirou-se sobre a murada do cais, a chupar gelo da fábrica e a ver os barcos chegando e saindo. E na sua infância, com o corpo quente pela cinturada no lombo, sentia: eu vou também! Vou seguir para lugar nenhum que não o aqui, não o agora. Vou cantar canção de despedida a doer no coração.
E ele, no seu corpinho esguio debruçado sobre a murada, magro feito cão, olhava, olhava, olhava e com os barcos que chegavam e partiam do Canto do Mangue aprendia  sobre as lonjuras do mundo e do tempo.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

NO VALE DO CARIRI, JUNTO À CHAPADA DO ARARIPE

O que mais impressiona nesse lugar? Saber, por meio de fósseis, que há milhões de anos foi tudo mar? Encantar-se com o poder de criação artística do ser humano, por meio de seus trabalhos em couro, pedra e madeira? Deslumbrar-se com as sombras de Padre Cícero e Beato Zé Lourenço? Rir com Seu Lunga? Curtir o frio da chapada com um banho de cascata? Aproveitar a família, rever antigos amigos?
O que mais impressiona nesse lugar é a atualização da velha máxima da Escola de Sagres: viajar é preciso. Em ter precisão e também em ser necessário.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

ALGUNS AFORISMAS DE NIETZSCHE PARA O DIA DE HOJE

Mais vale andar na ponta dos pés
do que de quatro!
Mais vale passar pelo buraco da fechadura
do que por portas abertas!

***

Não gosto que o próximo esteja perto:
que se vá embora para o alto e para longe!
Caso contrário, como haveria de fazer
Para ele se tornar a minha estrela?

***

Odeio seguir alguém, como também conduzir.
Obedecer? Não! E governar, nunca!
Quem não se mete medeo não consegue metê-lo a ninguém.
Somente aquele que o inspira é capaz de comandar.
Já detesto comandar a mim mesmo!
Gosto, como os animais, das florestas e dos mares,
de me perder durante um tempo,
permanecer a sonhar num recanto encantador,
e forçar-me a regressar de longe ao meu lar,
atrair-me a mim próprio... de volta para mim.

(In: A Gaia Ciência. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2006)

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

AS MULHERES DE 30 - uma crônica de Mário Prata

O que mais as espanta é que, de repente, elas percebem que já são balzaquianas. Mas poucas balzacas leram "A mulher de trinta anos", de Honoré de Balzac, escrito há mais de 150 anos. Olhe o que ele diz:
"Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo , e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer".
Madame Bovary, outra francesa trintona, era tão maravilhosa que seu criador chegou a dizer diante dos tribunais: "Madame Bovary c´est moi". E a Marilyn Monroe, que fez tudo aquilo entre 30 e 40?
Mas voltemos a nossa mulher de 30, a brasileira-tropicana, aquela que podemos encontrar na frente das escolas pegando os filhos ou num balcão de bar bebendo um chope sozinha. Sim, a mulher de 30 bebe. A mulher de 30 é morena. Quando resolve fazer a besteira de tingir os cabelos de amarelo-hebe passa, automaticamente, a ter 40. E o que mais encanta nas de 30 é que parece que nunca vão perder aquele jeitinho que trouxeram dos 20. Mas, para isso, como elas se preocupam com a barriguinha!
A mulher de 30 está para se separar. Ou já se separou. São raras as mulheres que passam por essa faixa sem terminar um casamento. Em compensação, ainda antes dos 40 elas arrumam o segundo e definitivo.
A grande maioria tem dois filhos. Geralmente um casal. As que ainda não tiveram filhos se tornam um perigo, quando estão ali pelos 35. Periga pegarem o primeiro quarentão que encontrarem pela frente. Elas querem casar.
Elas talvez não saibam, mas são as mais bonitas das mulheres. Acho até que a idade mínima para concurso de miss deveria ser 30 anos. Desfilam como gazelas, embora eu nunca tenha visto uma (gazela). Sorriem e nos olham com olhos claros. Já notou como elas têm olhos claros? E as que usam uns cabelos longos e ondulados e ficam a todo momento jogando as melenas para trás? É de matar.
O problema com esta faixa de idade é achar uma que não esteja terminando alguma tese ou TCC. E eu pergunto: existe algo mais excitante do que uma médica de 32 anos, toda de branco, com o estetoscópio balançando no decote de seu jaleco diante daqueles hirtos seios? E a mulher de 30 guiando jipe? Covardia.
A mulher de 30 ainda não fez plástica. Não precisa. Está com tudo em cima. Ela, ao contrário das de 20, nunca ficou. Quando resolve, vai pra valer. Faz sexo como se fosse a última vez. A mulher de 30 morde, grita, sua como ninguém. Não finge. Mata o homem, tenha ele 20 ou 50. E o hálito, então? É fresco. E os pelinhos nas costas, lá pra baixo, que mais parecem pele de pêssego, como diria o Machado se referindo a Helena que, infelizmente, nunca chegou aos 30?
Mas o que mais encanta nas mulheres de 30 é a independência. Moram sozinhas e suas casas têm ainda um frescor das de 20 e a maturidade das de 40. Adoram flores e um cachorrinho pequeno. Curtem janelas abertas. Elas sabem escolher um travesseiro. E amam quem querem, à hora que querem e onde querem. E o mais importante: do jeito que desejam.
São fortes as mulheres de 30. E não têm pressa pra nada. Sabem aonde vão chegar. E sempre chegam.
Chegam lá atrás, no Balzac: " A mulher de 30 anos satisfaz tudo".
Ponto. Pra elas.

(Publicado originalmente na Revista Época, de 2 de fevereiro de 2004)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

PRETENSÕES DE COMEÇO DE ANO

Na segunda quinzena de janeiro, o ano ainda não começou pra valer, pensa. Pensa e não conclui nada ao certo. A não ser que quer viajar, sumir no mapa, se perder por aí, sem eira nem beira. E antes que se sinta mesmo se dissipando de vez em nuvens de tanta abstração, percebe a chuva chegando e pensa que bom, isso me consola, a chuva chegando, timidamente, essa chuva é uma certeza que me anima - tudo vem e vai, é assim mesmo. Ora, não diga... Pensa em sair para a rua, deixar a chuva molhar o corpo aos poucos, e assim também deixá-la lavar a alma, a vida, os caminhos que hão de ser trilhados.
Mas, ao contrário, deita na rede e decide folhear uma coletânea de contos. Abre o livro a esmo e esbarra justamente em "Feliz Ano Novo", de Rubem Fonseca. Miséria pouca é bobagem. Outro consolo além da chuva. Corre ao computador, confiante, como quem quer se confessar para continuar a existir. Mas nada consegue escrever, além de um ingênuo E viva a literatura. Viva mesmo. Mesmo que seja pura pretensão.