sexta-feira, 17 de junho de 2011

DO BLOOMSDAY EM NATAL


JOYCIRCUNVOLUÇÕES NATALENSES

João da Mata Costa

O Bloomsday faz bodas de prata com upgrade e muitas novidades. Um
projeto do professor Chico Ivan desaguou no Potengi – Liffey. Natal teve
suas vanguardas com a palestra Natal daqui a cinquenta anos do Manoel
Dantas e o poema - processo. Nostros em qquer lugarmediterranicos. Natal
também tem suas graças …. um certo charme na sua decadência. Uma cidade
que sofre com as atuais administrações e com as oligarquias. Nada era
perdido para Joyce e são dos restos que fazemos a sopa de osso ou de
pedra ( mon ami ). Outros disseram de uma terra desolada. O que Joyce
escreveu sobre a Irlanda eu poderia transportar para Natal. Mas, eu não
sou Leopold Bloom e mesmo assim comemoro o bloomsday. A Irlanda também é
bebum e ruidosa. “Terra de uma raça esquecida por Deus e oprimida pelos
padres … a raça mais atrasada da Europa”. Eu também poderia dizer isso
de Natal, mas eu não sou Joyce. Prefiro andar por suas vielas e bares.
Freqüentar o bar de Zé Reeira e tomar uma cerveja com Zizinho, Ronnie
Von e Cellina. Adentrar na garçonieri de Abimael e conversar sobre o
próximo lançamento. Lembrar das cervejas tomadas em Maria com todos os
boêmios feitos porcos por Circe.
O Ulisses de James Joyce – o “blue book das eclésias”- é um livro sobre
o amor. Leopold Bloom, o protagonista do romance que revolucionou a
literatura universal, passa o dia perambulando por uma Irlanda (terra da
ira) decadente, e tem consciência da traição de Molly Bloom. São
dezesseis horas e o relógio de cuco toca … e nessa hora vesperal Molly
recebe o amante em casa. “Eles são loucos para entrar de onde eles
saíram”, diz Molly. Oito de setembro é o aniversário de sua amada e 16
de junho foi quando Joyce se apaixonou perdidamente por ela. As datas
são muito importantes para o aquariano Joyce nascido no dia 02 de
fevereiro. O tema do ciúme também está presente na sua única peça
“Exílio” e no último conto de Dublinenses “The Dead” . Um dos maiores
contos do século XX foi levado às telas por John Huston com o título “Os
Vivos e os Mortos” (EUA 1987). No Ulisses, Joyce fala muito através dos
sons. O leitor sente prazer e dor ao ouvir o som da trombeta, o suspiros
das folhas, o ruído do mar e o som da água escoando no ralo da pia em
espiral. A polissemia das palavras valise, da palavra montagem, da
palavra ideograma encadeando novos sentidos. Joyce é um alquimista da
palavra e a linguagem é o personagem principal desse imenso cipoal cheio
de ruídos e labirintos que é esse enciclopédico romance Ulisses.
“ Deus é um barulho na rua”. “Todos esses ruídos convergiram numa única
sensação vital para mim: imaginava conduzir meu cálice incólume, através
de uma multidão de inimigos”. Durante o dia 16 de junho Bloom chega a um
estado mental que é mais abnegação do que ciúme. Joyce evoluiu no
tratamento desse tema desde suas primeiras criações literárias. É com
uma grande pulsão verbal com que Joyce fala do amor numa feerie carnal
pulsipulso. “Ele beijou os fornudos ricudos amareludos cheirudos melões
do seu rabo, em cada fornido melonoso hemisfério, na sua riquêga
amarelêga rêga, com obscura prolongada provocante melonicheirosa
osculação”. Ao fim do episódio de Nausícaa (cap.13), o “relógio de cuco”
informa a Bloom que ele é agora um corno. Cuco, cuco, cuco… cukoo-cloc;
relógio de cuco e cuckold- corno. No final, Ulisses “retorna” para casa
(Ítaca) e encontra Penélope (cama). A mulhervaginabismo onde o homem se
perde e jamais retorna. O romance encerra com um pungente monólogo de
Molly Bloom. “yes, I said yes I will Yes oui jái dit oui je veux bien.
SIM EU QUERO SIMS.
Vagueando por Natal tenho o meu Johnsday. No restaurante da universidade
converso sobre Flaubert. Um grande escritor admirado por Joyce. Alguém
que buscou a impessoalidade na sua literatura. Em Joyce, impossível
separar a vida do opus. No cemitério do Alecrim entro no reino de Hades
e rezo um cantochão na igreja do Galo. Lanço as cartas do Tarot e tiro a
carta 15. Blake e “A Canção dos Loureiros” do Édouard Dujardin. Sigo o
fluxo de consciência. Caminho por suas ruas e vielas esburacadas très
bian aussi. Lembro da escola de pé no chão nas Rocas e da fábrica de
pregos das Quintas onde fui menino. Depois olhar o Potengi e namorar na
pedra do Rosário. Em Ponta Negra bato uma brahma. Na Padre Pinto, saindo
do bar do coelho, olho o rio que parece o Liffey. Molly Bllom nessa hora
deve estar me traindo. Capitu also e Otelo coitado. São quatro horas e
nessa hora alguém está sendo chifrado. Tudo que é proibido é bom. Clô
telefona para falar de Shakespeare e de Hamlet, a Monalisa da literatura
: Words, words, words….cama camisola ave Maria cheia de graxa. Lê em voz
muito alta o Finnegans Wake. Literatura de notívagos e bruxos. Fim again
Fim . Nunquam satis discitur. O eterno ciclo viquiano do movimento
circular divino. Só com compaixão, humor e lirismo vamos conseguir
sangrar os mares desse Potengi desmamado e poluído numa das esquinas do
mundo onde meu amigo “foi feliz e se deu bem”. Parafraseando Stephen
Dedalus no Retrato do Artista quando Jovem, de James Joyce, referindo-se
á Irlanda, eu diria de Natal (eu que já sou meã ): “ Natal é uma porca
velha que devora suas crias”.

2 comentários:

  1. Muito bom. Recomendo ler ao som de Elino Julião ou James Galway.

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  2. E, de preferência, acompanhando as cervejas ou canas com tiragosto de rins.

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