quinta-feira, 9 de junho de 2011

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

O VESTIDO
Era rosa. Com babados pretos. Ele trouxe no domingo, triscado, após os festejos de fim de feira.
Na segunda-feira, o vestido no mesmo canto onde largado, penteadeira do quarto, testemunha ocular da noite passada. Depois do presente devidamente recebido, ela prometeu – com restos de beijos e afagos só dos dois – vestiria um mês depois, quando ele voltasse do mar.
Porque a distância aproxima. E a saudade nos salva do tédio.
Naquele dia o vestido ficou na penteadeira enquanto ela lavou a louça, banhou os meninos e se encostou no balcão da sala, vendo a novela Três Marias e sentindo um aperto no peito.
O peito apertado, aperto no coração...
De onde vem a dor? Doer é dívida ou dádiva?
Por que a gente sente angústia? Pelo mistério que não se desvenda? Pela certeza da morte? O fim que se anuncia, mal se vislumbra o começo?
Uma voz solene e sonora ressoa na solidão – outra vez:
 – Não faça melodrama!
OK, sem melodramas. Até porque a vida é mesmo é trágica.
No intervalo da novela foi que dona Matilda mais o filho vieram, gatos ressabiados a dar a triste notícia para ela:
 – Vamos ali com a gente...
A notícia que não se espera, embora sempre latente. Até ela entender o que de fato acontecia, teve que entrar no salão branco e gelado para reconhecer o corpo. Tocou nele, olhar cego de tão marejado. Sentiu, por trás do pescoço dele, a funda fenda do golpe do guindaste que tirara sua vida, no navio.
 – Ai, que vida! gemia, aos prantos.
Só aí foi que percebeu... Atarantada pela pressa ao sair de casa rumo ao necrotério, nem pensara no que vestir. E vestia o vestido, presente do finado marido.

Um comentário:

  1. Ordinário mas bonitinho.E lembrando São Capaças: isso foi elogio ( the comment) ou ironia fina (the tale)?
    Agora falta só um 1/2 kg de camarão e/ou uns 2 kg de camurupim, uma garrafa de cana com água de coco, uns dois vinis do Dorival Caymmi, uma rede e um sábado de manhã. Se tiver panela de barro, gergelim e leite de côco com um pouquinho de dendê e pimenta de cheiro e malagueta, aí o negócio melhora.
    Mas, se a receita não for de vuestro gosto, conheço uma forma de fazer porco assado em palha de bananeira que é de lamber os dedinhos. Cortesia do R. Rodrigues. Trilha sonora? Chingon.

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