segunda-feira, 20 de junho de 2011

UM POEMA PORTUGUÊS



Deslumbramentos

Milady, é perigoso contemplá-la
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, senguindo-lhes as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!…

Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina…
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!…

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como a um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!

Cesário Verde

domingo, 19 de junho de 2011

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

O LIVRO
Alice N. cumpria o ritual religiosamente: depois das obrigações, lá pelas quatro da tarde, escapava com passo ligeiro rumo à biblioteca de Caicó. Lá, entretida entre papéis, poeira e solidão, ficava até seis e quarenta e três. Na noite que se iniciava, voltava para a casa da patroa como quem vai flanando, sem ver nada de gentes e gestos, ultrapassando, veloz, bicicletas, bares e bichos. Era Alice N., na volta da biblioteca, ser de outro tempo que não aquele agora.
Alice N. era mais uma entre tantos. Dezesseis anos, dentes quebrados, alma desgarrada de família e de futuro, cedo se viu na incumbência de ter que sobreviver – lavar roupa, cozinhar, cuidar de menino dos outros... Até os quatorze anos viveu com uma avó que lhe ensinou a ler, mas quando a senhora morreu – uma queda no terreiro entre as galinhas perplexas – Alice passou para a página mais amarga de sua vida – fome, maltrato, desesperança.
Como tudo na vida, o tempo seguiu lentamente e foi tudo se conformando. Tudo ia seguindo lenta e conformemente, tal como a folhagem das árvores sob o ar parado dos domingos de verão do Seridó.
Até que, entre as lidas do dia a dia, descuidada e sem maiores expectativas, num sábado de feira, Alice N. teve uma surpresa, mais uma virada de página no livro de sua vida. Outro capítulo que se iniciava sem que sua leitura vadia e inocente pudesse controlar.
Era um velho calvo e de barbas longas e brancas. Seu ar não tinha nada de solene: com uma voz pausada e tonitroante, de modo loquaz e atrevido, recitava os versos de um cordel seu. Que céu, para Alice N.! Sair de si! Eram tantas as histórias numa única história! Era tanta promessa em versos medidos, tantos mistérios em palavras rimadas!
Ao final do recital, quando as pessoas ao redor se dispersaram, Alice N., ainda emocionada, foi se chegando lentamente do contador de histórias. Ele juntava os folhetos, guardava os troços numa maleta velha, de outros séculos.
Ai, Alice... Foi ali que a paixão tomou conta de seu ser. Olhando aquele outro estranho ser, portal para outra existência, Alice N. vislumbrou a ponte da palavra escrita e desejou, ardentemente, jogar-se naquele abismo do que não se conta e não se diz. A alguns passos, observou o velho por alguns instantes e, criando coragem, aproximou-se.
Ia dizer, mas a linguagem lhe faltou. Apenas observou, sem que o homem demonstrasse nenhuma atenção a ela. Ele juntou suas coisas, colocou um chapéu na cabeça e seguiu, rua abaixo. Sem ter o que fazer, irremediavelmente presa a ele pelas manhas de um narrador distante e inconsequente, seguiu o velho, esperando pela oportunidade propícia – que, ela não sabia, nunca vem.
O homem, com sua barba branca e suas histórias latentes, seguiu até o prédio nomeado com alguma pompa – Biblioteca de Caicó. Um pequeno prédio, de esquina, sob a sombra gentil de uma quixabeira. Alice N. parou em frente à porta da entrada, hesitante. Mas o desejo de falar com o homem era tão grande que, respirando fundo, encheu-se de coragem e entrou.
Viu quando ele cumprimentou uma mulher atrás de um balcão, cheio de salamaleques. Viu quando ele pegou um jornal e sentou-se à mesa do grande salão. Viu quando ele se levantou e foi passear entre as estantes. Uma, duas, três voltas por entre os livros. Havia livros de todas as formas: livros pequenos, livros grandes, livros grossos, livros finos, livros novos, livros antigos... E o velho, como num passeio, óculos na ponta do nariz impertinente, verificava, verificava, verificava...
E Alice N. só admirava... Que encanto a lhe atrair? Que segredo a ser revelado?
Quando pensava ser possível chegar-se, finalmente, junto a ele, viu que o poeta escolhia um livro qualquer de uma prateleira qualquer, com muito espanto e alegria. Achou, assim, que seria inconveniente falar-lhe. Esperou para ver se ele colocava o livro novamente na estante, mas, ao contrário, viu que ele levava o livro novamente para a mesa. Então se sentou e pôs-se a folheá-lo com vivo interesse e peculiar curiosidade.
Ah, mistério! Ah, insondável! Que frase te cativa? Que palavra te contém?
Alice N. viu, então, o velho de longas barbas brancas levantar-se, deixar o livro sobre a mesa e retirar-se muito rapidamente da Biblioteca de Caicó. Foi-se em boa hora. Alice N. não teve tempo de esboçar nenhuma reação, tão entretida estava vendo o homem ler. Partiu, simplesmente, e Alice não pode lhe falar.
Entre espanto e esperança, foi timidamente até a mesa. O livro jazia ali, único sobre a mesa, esquecido em sua leitura errante para nunca mais. Alice olhou ao redor, timidamente, até tocar no livro, puxá-lo para junto de si e observar sua capa. Apenas algumas letras, em vermelho, diziam:
O livro de contos de Alice N.
Um livro inteiro de páginas em branco. Um livro que estava para ser escrito.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

DO BLOOMSDAY EM NATAL


JOYCIRCUNVOLUÇÕES NATALENSES

João da Mata Costa

O Bloomsday faz bodas de prata com upgrade e muitas novidades. Um
projeto do professor Chico Ivan desaguou no Potengi – Liffey. Natal teve
suas vanguardas com a palestra Natal daqui a cinquenta anos do Manoel
Dantas e o poema - processo. Nostros em qquer lugarmediterranicos. Natal
também tem suas graças …. um certo charme na sua decadência. Uma cidade
que sofre com as atuais administrações e com as oligarquias. Nada era
perdido para Joyce e são dos restos que fazemos a sopa de osso ou de
pedra ( mon ami ). Outros disseram de uma terra desolada. O que Joyce
escreveu sobre a Irlanda eu poderia transportar para Natal. Mas, eu não
sou Leopold Bloom e mesmo assim comemoro o bloomsday. A Irlanda também é
bebum e ruidosa. “Terra de uma raça esquecida por Deus e oprimida pelos
padres … a raça mais atrasada da Europa”. Eu também poderia dizer isso
de Natal, mas eu não sou Joyce. Prefiro andar por suas vielas e bares.
Freqüentar o bar de Zé Reeira e tomar uma cerveja com Zizinho, Ronnie
Von e Cellina. Adentrar na garçonieri de Abimael e conversar sobre o
próximo lançamento. Lembrar das cervejas tomadas em Maria com todos os
boêmios feitos porcos por Circe.
O Ulisses de James Joyce – o “blue book das eclésias”- é um livro sobre
o amor. Leopold Bloom, o protagonista do romance que revolucionou a
literatura universal, passa o dia perambulando por uma Irlanda (terra da
ira) decadente, e tem consciência da traição de Molly Bloom. São
dezesseis horas e o relógio de cuco toca … e nessa hora vesperal Molly
recebe o amante em casa. “Eles são loucos para entrar de onde eles
saíram”, diz Molly. Oito de setembro é o aniversário de sua amada e 16
de junho foi quando Joyce se apaixonou perdidamente por ela. As datas
são muito importantes para o aquariano Joyce nascido no dia 02 de
fevereiro. O tema do ciúme também está presente na sua única peça
“Exílio” e no último conto de Dublinenses “The Dead” . Um dos maiores
contos do século XX foi levado às telas por John Huston com o título “Os
Vivos e os Mortos” (EUA 1987). No Ulisses, Joyce fala muito através dos
sons. O leitor sente prazer e dor ao ouvir o som da trombeta, o suspiros
das folhas, o ruído do mar e o som da água escoando no ralo da pia em
espiral. A polissemia das palavras valise, da palavra montagem, da
palavra ideograma encadeando novos sentidos. Joyce é um alquimista da
palavra e a linguagem é o personagem principal desse imenso cipoal cheio
de ruídos e labirintos que é esse enciclopédico romance Ulisses.
“ Deus é um barulho na rua”. “Todos esses ruídos convergiram numa única
sensação vital para mim: imaginava conduzir meu cálice incólume, através
de uma multidão de inimigos”. Durante o dia 16 de junho Bloom chega a um
estado mental que é mais abnegação do que ciúme. Joyce evoluiu no
tratamento desse tema desde suas primeiras criações literárias. É com
uma grande pulsão verbal com que Joyce fala do amor numa feerie carnal
pulsipulso. “Ele beijou os fornudos ricudos amareludos cheirudos melões
do seu rabo, em cada fornido melonoso hemisfério, na sua riquêga
amarelêga rêga, com obscura prolongada provocante melonicheirosa
osculação”. Ao fim do episódio de Nausícaa (cap.13), o “relógio de cuco”
informa a Bloom que ele é agora um corno. Cuco, cuco, cuco… cukoo-cloc;
relógio de cuco e cuckold- corno. No final, Ulisses “retorna” para casa
(Ítaca) e encontra Penélope (cama). A mulhervaginabismo onde o homem se
perde e jamais retorna. O romance encerra com um pungente monólogo de
Molly Bloom. “yes, I said yes I will Yes oui jái dit oui je veux bien.
SIM EU QUERO SIMS.
Vagueando por Natal tenho o meu Johnsday. No restaurante da universidade
converso sobre Flaubert. Um grande escritor admirado por Joyce. Alguém
que buscou a impessoalidade na sua literatura. Em Joyce, impossível
separar a vida do opus. No cemitério do Alecrim entro no reino de Hades
e rezo um cantochão na igreja do Galo. Lanço as cartas do Tarot e tiro a
carta 15. Blake e “A Canção dos Loureiros” do Édouard Dujardin. Sigo o
fluxo de consciência. Caminho por suas ruas e vielas esburacadas très
bian aussi. Lembro da escola de pé no chão nas Rocas e da fábrica de
pregos das Quintas onde fui menino. Depois olhar o Potengi e namorar na
pedra do Rosário. Em Ponta Negra bato uma brahma. Na Padre Pinto, saindo
do bar do coelho, olho o rio que parece o Liffey. Molly Bllom nessa hora
deve estar me traindo. Capitu also e Otelo coitado. São quatro horas e
nessa hora alguém está sendo chifrado. Tudo que é proibido é bom. Clô
telefona para falar de Shakespeare e de Hamlet, a Monalisa da literatura
: Words, words, words….cama camisola ave Maria cheia de graxa. Lê em voz
muito alta o Finnegans Wake. Literatura de notívagos e bruxos. Fim again
Fim . Nunquam satis discitur. O eterno ciclo viquiano do movimento
circular divino. Só com compaixão, humor e lirismo vamos conseguir
sangrar os mares desse Potengi desmamado e poluído numa das esquinas do
mundo onde meu amigo “foi feliz e se deu bem”. Parafraseando Stephen
Dedalus no Retrato do Artista quando Jovem, de James Joyce, referindo-se
á Irlanda, eu diria de Natal (eu que já sou meã ): “ Natal é uma porca
velha que devora suas crias”.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

"Noite dos ventos, noite dos mortos"

Na lua cheia
e neste eclipse lunar
tenho de morrer
para novo sol raiar.

quem me disse esta verdade
foi a carta treze do tarô
um brinde, pois, ao ceifador
e que outra colheita
não tarde.

terça-feira, 14 de junho de 2011

POEMETOS EM QUE ME METO 2

POEMA PARA EX(ILAR)

Come tua pipoca
E segue teu caminho
Nossos olhares
Não mais se cruzarão,
Nem nossas seivas.
Segue teu caminho
Que eu sigo o meu.
Quem se fudeu?
Quem foi o mais fodido?
Eu de quatro, no teu falo?
Ou tu montado AQUI
No meu lombo?
Segue teu caminho,
Que agora eu sigo o meu
Mas não esqueço nosso beijo,
Aquele,
O primeiro,
Aquilo que um dia foi,
Num dia bem azul,
O nosso desejo.