Os três poderes
São um só:
O deles
Nicolas Behr
No dia 22 de janeiro, numa bela tarde, eis a
novidade na rua Professor Zuza (aquela ali ao lado do IFRN da Cidade Alta, mais
precisamente, onde fica o bar-restaurante de Zé Reeira): uma faixa na entrada
da rua, tal qual porteira para o gado passar, anunciava: Espaço Cultural Dr. Rui Pereira dos Santos.
Nós e um grupo de amigos (o sebista-editor
Abimael Silva, o professor João da Mata, o poeta Volonté e o pluriartista
Falves Silva) discutíamos justamente o absurdo daquela “arrumação” quando o seu
responsável, o vereador Fernando Lucena, irmão do finado Rui Pereira, apareceu
por aquelas bandas, com aquele ethos de coronel que vai checar o seu curral. A
propósito de rebanhos, naquele momento não havia nenhum militante do PT (talvez
por conta do fechamento da sede, após o período eleitoral). Pois ele se aproximou,
juntamente com o rapaz de nome Bruno, filho de Rui Pereira, a fim de saber o
que achamos da novidade.
Quem pergunta quer saber, supõe-se, e então mandamos
os questionamentos: qual o vínculo afetivo e simbólico o senhor Rui Pereira
(cujo rosto já havia sido grafitado no muro do IF, não se sabe por que
barganha) teve com aquele espaço da cidade? A escolha daquele nome foi fruto de
uma consulta popular junto às pessoas que por ali moram, trabalham e/ou
frequentam habitualmente ou foi simplesmente uma medida imposta goela abaixo?
Há, efetivamente, representatividade e legitimidade naquela placa, além de sua
cafonice visual?
Alguns esboços de resposta: não, ele não consultou
ninguém porque ele é vereador e “representa” a cidade inteira; seu irmão Rui
Pereira foi uma pessoa muito importante (segundo o filho Bruno, ele foi quem
criou a FLIPIPA, viu, Dácio...) e “é meu irmão e eu quis homenageá-lo”. E
acrescentou: “não deram o nome da ponte de Newton Navarro?”
Como se já não bastasse o assumido nepotismo e
pretenso controle dos espaços culturais da cidade, o vereador ainda demonstrou
sua ignorância acerca da literatura local, pois se tivesse lido “Do outro lado
do rio, entre os morros”, obra na qual Navarro descreve o cotidiano na Redinha
dos anos 70, ele entenderia a razão do nome, muito mais justo e legítimo do que
aquele que ele quer impor à rua Professor Zuza (aliás, este sim um habitué
daquele espaço, mais do que Rui Pereira foi).
Indagado se havia lido Navarro para pensar um
pouco acerca das relações simbólicas entre um nome e um espaço da cidade, o
vereador respondeu com essa pérola: “eu só leio os comunistas”. E só faltou
dizer: “e apenas os livros de capa vermelha”. Não foi capaz de citar um só
título de Gorki ou um verso de Maiakóvski...
Enfim, sem argumentos, desqualificou nosso
grupo (nunca ouviu “tanta besteira”) e retirou-se, muito digno. A tarde seguiu
e na mesa ao lado, uma outra polêmica se armava, certamente mais inteligente:
quem jogou no Botafogo em 1972?
A pseudo-homenagem ao senhor Rui Pereira dos
Santos (que, aliás, também não deve ter sido consultado) só reflete a mentira
dos poderes constituídos supostamente democráticos para os quais, de novo e sempre,
o público é apropriado em favor do privado.
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