quarta-feira, 23 de maio de 2012

UMA NOITE DE BODE




E como fosse noite de lua nova, Alice N. decidiu encarar a chuvinha fina que caía para ver o que se havia para ver no mundo. Na cidade, acontecia um circuito de performances. Oba! pensou Alice N. e lá se foi em busca de acaso e de novas impressões para suas retinas.
Mas não se sabe se pela chuva ou se pelo tom carregado de solenidade, o certo é que os ossos de Alice N. gelaram. E ela pensava com seus botões que o bom de um circuito de performances é mostrar e ver o quanto a vida e a realidade são pura invenção e que em tudo a poesia espreita.
Mas onde a leveza da poesia?
As intervenções todas carregadas de uma não espontaneidade, freando a naturalidade da vida que acontece, independentemente dos conceitos dos heppenings... Ai, ai, Alice N., o problema é seu se seu real não se ajusta. Sim, Alice N. não se ajusta, delirava ela, enquanto olhava para o bode que, exposto na dignidade de seus grandes testículos, não podia nem optar por não ser incessantemente escovado pela atriz que, no entanto, incomodou-se com a pergunta de um inocente leitor que passava por ali:
- Posso tirar uma foto dele?
Logo ali ao lado, um arremedo do que sejam pegações em banheiros públicos performatizado por um poeta impossível. Mas, contradição, logo ele, que era contra as microditaduras do cotidiano, exigiu uma fila do lado de fora. Tudo bem, vai ver que a longa espera para entrada de um por um fosse necessária para dar um efeito de intimidade... Mas o que dizer da porteira que, regulando a entrada, impunha uma filmadora digital para cada um que entrava e, por conseguinte, também um tipo de olhar?
Ai, Alice N., por que você tem que polemizar tudo?
Mundo, mundo, vasto mundo...
Ainda encontrou o publicitário boa-praça e foi tomar com ele uma cerveja. Em dado momento da conversa, ele dispara que ela não passa de uma professorinha de quinta categoria. Já ouviu isso antes, Alice N. E, sem saber se aquilo soava como ofensa ou elogio, pensou que todo mundo tem opinião formada sobre tudo, sobretudo sobre o que não se conhece bem.
E como Natal não consagra nem desconsagra ninguém, Alice N. resolveu se despedir e encarar a chuvinha que insistia em cair.

2 comentários:

  1. he he. Conciliar publicitário e "boa praça" é muito difícil.
    esse texto me lembra um troço chamado "loucura controlada', do > Castanẽda e/ou de seus pares. Utilidades do alter ou de outro ego. Próxima vez que chover, me chama.

    ResponderExcluir
  2. Olá,
    Esse bode levou ao meu sobrenome - Carneiro -, que, ainda que sem esperar consagração, embora todo carneiro já seja consagrado pela teimosia e medo de chuva, atreve-se a escrever a mensagem aqui de baixo.
    Escute só, acabei de receber meu livro, o INTUITOR BIÃO, uma xaropada de palavras sem futuro. Tem uma brincadeirinha (Leitores e Crítica) sobre ele no meu blogue, o POCILGA DE OURO. Gostaria de presenteá-la com um exemplar. Pra qual endereço eu posso enviá-lo?
    Se aceitar o mimo, pode pôr o endereço no tcarneirosilva@gmail.com

    Um abraço e bom fim de semana,
    Do leitor,

    Tião Carneiro

    ResponderExcluir