sexta-feira, 18 de maio de 2012

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

ORDINÁRIA MESMO BONITINHA



Era ela aquilo que, em determinado momento, e sob determinadas condições de possibilidade, se convencionou chamar “periguete”. Em outras palavras, dialogando com o vocabulário rodrigueano, podia-se dizer dela – ordinária mesmo bonitinha.
Com suas mechas oxigenadas no salão do bairro de periferia onde morava, era ela toda lábios carnudinhos, língua estalando e tinindo, dentes brancos e brilhantes para todas as possíveis chupadas e chupões. Ela era um primor. Mas o que tinha de gostosinha e de gata gulosa, tinha também de burra. Um poço de burrice. Era burra feito uma porta. E como porta, a parte mais inteligente de si era mesmo o seu buraco de fechadura. 
Pois a periguete perigava nas beiradas do abismo da espera. Esperava seu macho num bar. Enquanto bebiscava uma cerveja, olhava-se no espelhinho do estojo de maquiagem, e retocava o batom muito pink, e olhava o celular a cada três minutos e treze segundos, e chafurdava na bolsa com estampa de oncinha à procura de não sabia o que. O fim da espera. O desejo atendido. A plenitude. Pensava em palavras a serem ditas como forma de castigo, e de afagos a serem feitos como forma de perdão, e atinava e delirava e esguichava na calcinha pequenos fluidos o desespero daquilo que com que, na sua cabecinha de jumenta, não atinava em como lidar.
 – A solidão.
Porque era burrinha feito uma porta, a ordinária.
E foi esperando, esperando, esperando enquanto o macho... Ai, o macho...
O macho marchava rumo a matinês magistrais. Na sua marcha, o pau, muito duro e roliço, vibrava dentro da calça toda a sua potencialidade humana. O tal macho manifestava sua maquiavélica e maligna magnitude, pensando que seria bom que sua menina esperasse uma horinha por ele. Assim ela fica mais caidinha ainda, concluía, com um sorriso cretino de satisfação, como quem se sobeja no que julga ser sabedoria...
E se o macho era todo vaidade, aquela fêmea era pura autocomiseração.
“Fiquei sozinha um tempão”, pensava a Periguete em choramingar para seu macho assim que ele surgisse. E já ensaiava caras e bocas de drama, mergulhada, com um pequeno prazer, na piedade por si mesma. Tadinha da periguete, não conseguia ficar sozinha consigo mesma alguns minutos...
Enquanto isso, o macho, no outro lado da cidade, se fartava...
A burrinha foi então começando a tremer a perna esquerda. O mijo vinha se anunciando.
Ai, sou todo corpo, sim, e nada além dele.  Um filósofo póstumo anunciou isso. E a loirinha, abismos de anos-luz de tal pensamento, tremendo a perna, temia se ausentar: seu macho poderia passar no conversível em frente ao bar e, não a vendo, teria assim uma desculpa para se safar.
Os perigos do pensamento.
Enquanto isso, a Europa tremia. Adeus, Euro. Tudo é impermanente, sim, o filósofo falou. E qualquer corpo sente isso na pele. Também a loirinha sentia e seus beicinhos tremiam também, a pedir beijos e tapas, uma salvação qualquer para saber-se viva e saber a vida verdade.
Mas é tudo só vontade. Vontade de verdade...
E a loirinha, em idioma mental intraduzível por qualquer que seja o enunciado, só pensava consigo mesma:
O que fazer?
Mijar ou esperar?
Virá o macho me salvar?
Antes, o mijo vai te molhar, Periguete. Eu quis dizer isso pra ela, mas qualquer um sabe melhor do que ninguém de seus próprios dilemas, das escolhas por fazer e consequências por se aturar. Quem era eu para dizer isso a ela?

Um comentário:

  1. Amei teu conto, um quê de cotidiano, um quê de vidas passadas, teria sido eu uma periguete em vidas passadas a esperar meu macho? vai saber...

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