No domingo de manhã, após meter a faca no peito
de dezesseis caranguejos e jogá-los numa panela com água e sal, conforme aprendi,
tomei o rumo da praia, a caminho da marcha. Enquanto eu seguia em direção ao
local de concentração, eu pensava na minha incerta condição de militante, nas
poucas passeatas de que participei: o Fora Collor, pela meia passagem
estudantil, em favor das árvores do Benfica e finalmente ali estava eu, em busca
de uma causa na qual eu – por enquanto – pudesse mesmo acreditar: pelo fim da
proibição do plantio e consumo da cannabis sativa.
Sim, por que não fumar maconha?
E eu só pensava naquele poema: eu não milito / militar / me limita.
No calçadão da praia, o primeiro encontro: um
homem me para no meio do caminho. Avisa que é de Fortaleza e pergunta o que há
mais para se ver ali. Estávamos no coração da Praia dos Artistas, um dos meus
pontos prediletos desde que cheguei a Natal, quase dois anos antes. O velho
hotel abandonado, lembrança de tantas aventuras passadas por mim desconhecidas,
o encontro das ondas nos rochedos, a ponte nova toda ostensiva logo mais a
oeste, tudo para mim era paisagem de afeto e gratidão. Em resposta, afirmei que
era eu também de Fortaleza, mas que só enxergava quem sabia ver. Disse assim
num impulso, olhando a figura patética que reclamava que aquilo ali não
prestava. A humanidade é que não presta, moço, falei ainda, me afastando.
Logo em seguida, o segundo encontro: ao passar
pelo décimo terceiro quiosque, finalmente encontro uma latinha de Skol para
aliviar minha(s) sede(s). Dentro da barraca, ouço uma voz de mulher reclamar
pelo troco que era necessário – tirar dois de dez reais, ao que eu respostei
alguma coisa. A dona da voz quis devolver o dinheiro, apareceu na porta e me
encarou por um segundo, dizendo – tome! Mas aí eu já abria a lata e tomava
aquele gole. Calma, senhora! Ela deu o troco e eu segui.
No céu, o sol ardia. E ardia também em mim o
sol da vontade. Um terceiro encontro, aquele tão desejado, para narrar os que
vieram antes, para narrar a mim mesma e, assim, quem sabe, existir. Essa era a
minha vontade: a de existir.
Então pintei cartaz. Então gritei grito de
ordem. Conclamei turistas que sorriam com suas máquinas fotográficas digitais,
querendo reter o espetáculo do instante. Marchei na avenida, querendo crer em
alguma causa, a do meu prazer particular e partilhado, mais sincera que muita
seita ou partido.
Assim, como sempre soendo ser, a tarde fluiu, a
marcha terminou e a massa se dispersou. Saí à francesa e genuinamente potiguar naquelas
paragens das Rocas tão minhas, mesmo que talvez nem merecesse. Saí sem o
terceiro encontro esperado, esperança adiada para um improvável mas não
impossível devir.
Um consolo havia: os caranguejos me esperavam!
E depois, depois de lamber os dedos, de volta
para casa, não é que um carro me para na rua e o motorista se apresenta?
– Sou eu, de Fortaleza, que encontrei você há
pouco na praia...
– Ah... – foi a resposta deslumbrada.
– Para onde você vai?
– Para alhures.
E outra vez marchei na direção contrária.
Interessante!
ResponderExcluirVocê vinha duma marcha, em que acreditava, rejeitou uma marcha, da qual se precaveu, e o cara de Fortaleza deve ter engatada a primeira marcha, feito continência e marchado para algum quartel. Idas e vindas, tal qual a natureza do caranguejo, que, como sabemos, anda tão bem pra trás quanto pra frente.
Belíssima prosa,
Parabéns não titubeantes,
Tião
Pelo que tou vendo vc aprendeu mesmo...fazer carangueijos. quanto às marchas deixa pra outro dia.
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