segunda-feira, 21 de maio de 2012

RELATO PESSOAL E INTRANSFERÍVEL DE UMA MARCHA




No domingo de manhã, após meter a faca no peito de dezesseis caranguejos e jogá-los numa panela com água e sal, conforme aprendi, tomei o rumo da praia, a caminho da marcha. Enquanto eu seguia em direção ao local de concentração, eu pensava na minha incerta condição de militante, nas poucas passeatas de que participei: o Fora Collor, pela meia passagem estudantil, em favor das árvores do Benfica e finalmente ali estava eu, em busca de uma causa na qual eu – por enquanto – pudesse mesmo acreditar: pelo fim da proibição do plantio e consumo da cannabis sativa.
Sim, por que não fumar maconha?
E eu só pensava naquele poema: eu não milito / militar / me limita.
No calçadão da praia, o primeiro encontro: um homem me para no meio do caminho. Avisa que é de Fortaleza e pergunta o que há mais para se ver ali. Estávamos no coração da Praia dos Artistas, um dos meus pontos prediletos desde que cheguei a Natal, quase dois anos antes. O velho hotel abandonado, lembrança de tantas aventuras passadas por mim desconhecidas, o encontro das ondas nos rochedos, a ponte nova toda ostensiva logo mais a oeste, tudo para mim era paisagem de afeto e gratidão. Em resposta, afirmei que era eu também de Fortaleza, mas que só enxergava quem sabia ver. Disse assim num impulso, olhando a figura patética que reclamava que aquilo ali não prestava. A humanidade é que não presta, moço, falei ainda, me afastando.
Logo em seguida, o segundo encontro: ao passar pelo décimo terceiro quiosque, finalmente encontro uma latinha de Skol para aliviar minha(s) sede(s). Dentro da barraca, ouço uma voz de mulher reclamar pelo troco que era necessário – tirar dois de dez reais, ao que eu respostei alguma coisa. A dona da voz quis devolver o dinheiro, apareceu na porta e me encarou por um segundo, dizendo – tome! Mas aí eu já abria a lata e tomava aquele gole. Calma, senhora! Ela deu o troco e eu segui.
No céu, o sol ardia. E ardia também em mim o sol da vontade. Um terceiro encontro, aquele tão desejado, para narrar os que vieram antes, para narrar a mim mesma e, assim, quem sabe, existir. Essa era a minha vontade: a de existir.
Então pintei cartaz. Então gritei grito de ordem. Conclamei turistas que sorriam com suas máquinas fotográficas digitais, querendo reter o espetáculo do instante. Marchei na avenida, querendo crer em alguma causa, a do meu prazer particular e partilhado, mais sincera que muita seita ou partido.
Assim, como sempre soendo ser, a tarde fluiu, a marcha terminou e a massa se dispersou. Saí à francesa e genuinamente potiguar naquelas paragens das Rocas tão minhas, mesmo que talvez nem merecesse. Saí sem o terceiro encontro esperado, esperança adiada para um improvável mas não impossível devir.
Um consolo havia: os caranguejos me esperavam!
E depois, depois de lamber os dedos, de volta para casa, não é que um carro me para na rua e o motorista se apresenta?
– Sou eu, de Fortaleza, que encontrei você há pouco na praia...
– Ah... – foi a resposta deslumbrada.
– Para onde você vai?
– Para alhures.
E outra vez marchei na direção contrária.

2 comentários:

  1. Interessante!
    Você vinha duma marcha, em que acreditava, rejeitou uma marcha, da qual se precaveu, e o cara de Fortaleza deve ter engatada a primeira marcha, feito continência e marchado para algum quartel. Idas e vindas, tal qual a natureza do caranguejo, que, como sabemos, anda tão bem pra trás quanto pra frente.
    Belíssima prosa,
    Parabéns não titubeantes,

    Tião

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  2. Pelo que tou vendo vc aprendeu mesmo...fazer carangueijos. quanto às marchas deixa pra outro dia.

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