quarta-feira, 9 de novembro de 2011

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

PÂNICO


Ano-Novo, velhas opiniões formadas sobre tudo.
Para tentar escapar da angústia que aos poucos chegava, foi ao supermercado.
Queria crer que seria fácil. Olhava a redor, as pessoas como floresta, eletrodomésticos em vez de bichos, prateleiras e cartazes em vez de colinas e vales, olhava tudo sem nada ver. Queria crer que era fácil e simples. A resposta ali na frente, acenando com sorriso destrambelhado. Eis me aqui, eis-me aqui!!! Muito fácil, sim. Uma questão de concentração, de foco. Energia canalizada e tudo resolvido!
Tornou a erguer a cabeça. A fila caminhava, sem maiores dramas e delongas. O painel luminoso à frente indicava: mais três pessoas e chegava a sua vez.
Enquanto isso, a música do piano elétrico continuava, com os hits americanalhados e contumazes. Crianças, subitamente amigas, correndo ao redor de uma grande árvore de natal, o homem anunciando ao microfone as ofertas de última hora. Mal sabia ele que é sempre a última hora.
Enquanto amigos de academia se organizavam em torno dos sushis no balcão da lanchonete e mulheres donas de família comparavam os preços e embalagens das marcas e caixas de sabão em pó, ela lia pela milésima vez o rótulo na garrafa que tinha em mãos, refúgio para o surto que se anunciava.
Um Merlot. Não importa isso aqui. Não importa a sua taquicardia, os homens do campo continuarão plantando e colhendo nos vinhedos aquelas melhores cepas. O consolo, a vida continuando, o mundo girando além dela, pó que retorna ao pó.
Aliás, onde encontrar pó naquela hora, naquela cidade?
Sem a menor condição de possibilidade. E, pensando bem, nem queria tanto assim, pensou, fungando abstraidamente.
O aviso do painel mandou mais um para o abate. A fila do caixa andou e parou novamente. Segurou mais firme a garrafa com o Merlot – portal de fuga – e respirou fundo, dando intervalos de segundos a cada expiração, conforme aprendeu séculos antes. Sim, está tudo na nossa mente. E pode ser só uma questão de técnica.
Ah, a técnica...
Talento, cadê você?
É a Técnica, que não me dá sossego...
Manda essa vadia embora. Explica quem é que manda.
Não. De repente ela vai mesmo. E o resultado pode ser o mesmo ou pior – ostracismo, falta de atitude...
Atitude, cadê você?
Trancada no quarto enquanto o mundo desaba lá fora. E é uma questão de tempo até derrubarem essa porta.
O que resta?
A esperança. Pandora não te falou?
Por isso as festas são necessárias...
Pois é, as opiniões...
O suor frio, frio na alma.
Para uns, uma questão de guerra santa: uma bomba bem armada, uma ocasião propícia e um segundo para a revelação do Paraíso. Para outros, uma questão de meditação: respire fundo, sinta as falanges do dedinho do pé e descubra. Conheça-se.
Quando sua vez na fila do caixa chegou, a respiração voltou ao ritmo normal. Depois de todo aquele terror, só conseguiu desejar que aquele terroir não fosse também tão terrível...

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