quarta-feira, 31 de outubro de 2012

RELES RESENHA - Um conto de Clotilde Tavares

Ontem, por acaso (e, por isso, da melhor maneira), chegou às minhas mãos um livro que me embeveceu logo de cara: Cinco Contistas Potiguares, numa edição bem bonitinha de bolso, das eras em que a Fundação José Augusto ainda promovia concursos literários na cidade, com capa de Aucides/Enoch. Do concurso, realizado em 1975, resultou a publicação, no ano seguinte, num delicioso encontro entre Rubem G. Nunes ("Humanóide Trijatóide"), Fernando Gurgel Pimenta ("Ah, meu pudor literário"), o cearense Francisco Sobreira Bezerra ("O último dia"), Otacílio Lopes Cardoso ("Velório") e Clotilde Tavares ("Esperando Paulinho”).
Clotilde abre o livro e, também de cara, já me conquistou. Para além do fato de ser a única contista entre homens naquela publicação, sua narrativa inicia-se com um diálogo, a história começa já em andamento e apelando para que nós, seus leitores, tenhamos fôlego e corramos atrás de pegar o bonde do enredo. Gosto de histórias assim, que não fazem concessões e exigem do leitor, você lê se quiser e gosta se quiser também.
Mas ela vai dando as pistas facilmente, quase com doçura. Logo estamos pensando e sentindo como a narradora-personagem, dividida entre o ódio pela chefe do hospital onde trabalha e a saudade do homem que a deixou prometendo voltar. Dele, restou um fruto ainda de primeiros meses.
Outra coisa de que gosto em contos e na qual penso, por enquanto, como mola para mover minha escrita: uma história vai se passando em paralelo e é no final que ela vem à tona, quase nos estarrecendo pelo corte súbito com que se apresenta e que coincide, justamente, no desfecho do conto:
Sempre pensando em Paulinho, vai até o guarda-louça e tira um cálice dos fininhos. Vidro tão fino, tão delicado. Na tábua de bater carne, Eulália quebra o cálice com o batedor desmancha o vidro tão fino em poeira, fininha fininha. Com cuidado, coloca o vidro pisado dentro do pão. Paulinho se mexe dentro dela e lhe dá uma sensação gostosa, quente, de quem está guardando com muito cuidado uma coisa tão boa.
- Dona, me dê uma esmola...
Abre a porta devagar e estende o pão com doce que as mãos famintas seguram logo.
Narrativa breve, que vem e acontece. Que trata de questões com que eu, não só pela condição de mulher, mas de ser gente (será?), compartilho – trabalho e afetos, solidão e decisão, fato e incerteza, o duro e o sutil...
Sem falar que a narrativa, como que quebrando com a atmosfera pesada que se arma, termina com a cena de um ser rindo, exercendo essa dádiva humana, para além de que tipo de riso se trate:
-Deus lhe abençoe, dona.
- Amém, diz Eulália. Volta para a cozinha, senta num tamborete e começa a rir baixinho.
Gostei, clara e louca Clotilde! 

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