Na segunda quinzena de janeiro, o ano ainda não começou pra valer, pensa. Pensa e não conclui nada ao certo. A não ser que quer viajar, sumir no mapa, se perder por aí, sem eira nem beira. E antes que se sinta mesmo se dissipando de vez em nuvens de tanta abstração, percebe a chuva chegando e pensa que bom, isso me consola, a chuva chegando, timidamente, essa chuva é uma certeza que me anima - tudo vem e vai, é assim mesmo. Ora, não diga... Pensa em sair para a rua, deixar a chuva molhar o corpo aos poucos, e assim também deixá-la lavar a alma, a vida, os caminhos que hão de ser trilhados.
Mas, ao contrário, deita na rede e decide folhear uma coletânea de contos. Abre o livro a esmo e esbarra justamente em "Feliz Ano Novo", de Rubem Fonseca. Miséria pouca é bobagem. Outro consolo além da chuva. Corre ao computador, confiante, como quem quer se confessar para continuar a existir. Mas nada consegue escrever, além de um ingênuo E viva a literatura. Viva mesmo. Mesmo que seja pura pretensão.
Me apoderando do Drummond:
ResponderExcluirAlice N, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserves-te toda para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Alice N, você telúrica,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Entretanto você caminha
melancólica e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, minha filha, Alice N,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
É isso mesmo, HB, os poetas sabem das coisas... Enquanto isso, vamos tomar aquela cerva?
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