domingo, 11 de novembro de 2012

Histórias de Abimalek (2)


Histórias de Abimalek (2)

Mas além de ser um contador de histórias – um fino contador (em todos os sentidos), e chato também, daquele tipo que exige três holofotes e que conta a história tocando no seu braço – ele era um personagem. Geralmente, todas as histórias que vivenciava como personagem tinham um quê de cômico. Ele mesmo era uma figura risível, aliás: um cabrinha lá de Tanque do Touro, peidador amarelo e meio banguelo... Uma vocação para o riso. Não à toa, volta e meia editava , na sua coleção João Nicodemos de Lima, ótimos livros de humor, com autores do naipe de Celso da Silveira, Moysés Sesyom, Veríssimo de Melo...
Essa história, em que o sebista-editor é também personagem, foi contada por diferentes pessoas, em diversas situações. Tratava-se, de fato, de uma cena inesquecível nos anais do Quadrilátero da Maledicência – o dia em que o tal (anti)herói rompeu com o (pretenso)poeta peripatético.
Pois contam as boas línguas que estavam todos, pela enésima vez, tomando umas lá pelo Beco da Lama. Todos: cinco ou seis gatos pingados da turba de ordinários recorrentes frequentadores do Sebo e adjacências. Pois lá estavam aquelas figuras todas quando o protagonista, o sebista-editor-personagem, proclama com todo seu veneno:
- Manelzinho, tu não passa de um pitbul sem dente! E mais: quem muito se abaixa, mostra o fundo...
Pronto. Foi o suficiente para a bomba explodir. Cada qual ficou gritando de um lado, se difamando, e ameaçando o golpe. Dois galinhos de briga mirrados em seu mundinho de grande ego. E enfim, o golpe: um copo de cerveja pra cá, um murro desferido pra lá, arma-se a confusão. E, como era de praxe, o que aplicou o murro saiu correndo. O outro foi atrás, em perseguição pelo Beco.
Mas no que o pseudo-autor-de-haikais pôs-se a correr, humilhado e ofendido em sua dúbia honra, suas calças começaram a escorregar pernas abaixo. Eis a cena, com as ilustres personas do cenário underground potiguar: um magrelo fugindo e um pançudinho desdentado correndo atrás, tentando desajeitadamente segurar as calças na cintura.
Para completar a beleza da narrativa, o desfecho, em que no meio do caminho tinha um buraco, tinha um buraco no meio do caminho, e o peripatético se esborrachou no chão, rendendo-se afinal.
Alguns dias depois, com o braço numa tipoia, ainda estaria comentando com alguns, a respeito do mui nobre sebista-editor-corredor:
- Colega, olha o que teu amigo me fez...
Ainda vai, gauche, gostar de Abimalek?

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

RELES RESENHA - Um conto de Clotilde Tavares

Ontem, por acaso (e, por isso, da melhor maneira), chegou às minhas mãos um livro que me embeveceu logo de cara: Cinco Contistas Potiguares, numa edição bem bonitinha de bolso, das eras em que a Fundação José Augusto ainda promovia concursos literários na cidade, com capa de Aucides/Enoch. Do concurso, realizado em 1975, resultou a publicação, no ano seguinte, num delicioso encontro entre Rubem G. Nunes ("Humanóide Trijatóide"), Fernando Gurgel Pimenta ("Ah, meu pudor literário"), o cearense Francisco Sobreira Bezerra ("O último dia"), Otacílio Lopes Cardoso ("Velório") e Clotilde Tavares ("Esperando Paulinho”).
Clotilde abre o livro e, também de cara, já me conquistou. Para além do fato de ser a única contista entre homens naquela publicação, sua narrativa inicia-se com um diálogo, a história começa já em andamento e apelando para que nós, seus leitores, tenhamos fôlego e corramos atrás de pegar o bonde do enredo. Gosto de histórias assim, que não fazem concessões e exigem do leitor, você lê se quiser e gosta se quiser também.
Mas ela vai dando as pistas facilmente, quase com doçura. Logo estamos pensando e sentindo como a narradora-personagem, dividida entre o ódio pela chefe do hospital onde trabalha e a saudade do homem que a deixou prometendo voltar. Dele, restou um fruto ainda de primeiros meses.
Outra coisa de que gosto em contos e na qual penso, por enquanto, como mola para mover minha escrita: uma história vai se passando em paralelo e é no final que ela vem à tona, quase nos estarrecendo pelo corte súbito com que se apresenta e que coincide, justamente, no desfecho do conto:
Sempre pensando em Paulinho, vai até o guarda-louça e tira um cálice dos fininhos. Vidro tão fino, tão delicado. Na tábua de bater carne, Eulália quebra o cálice com o batedor desmancha o vidro tão fino em poeira, fininha fininha. Com cuidado, coloca o vidro pisado dentro do pão. Paulinho se mexe dentro dela e lhe dá uma sensação gostosa, quente, de quem está guardando com muito cuidado uma coisa tão boa.
- Dona, me dê uma esmola...
Abre a porta devagar e estende o pão com doce que as mãos famintas seguram logo.
Narrativa breve, que vem e acontece. Que trata de questões com que eu, não só pela condição de mulher, mas de ser gente (será?), compartilho – trabalho e afetos, solidão e decisão, fato e incerteza, o duro e o sutil...
Sem falar que a narrativa, como que quebrando com a atmosfera pesada que se arma, termina com a cena de um ser rindo, exercendo essa dádiva humana, para além de que tipo de riso se trate:
-Deus lhe abençoe, dona.
- Amém, diz Eulália. Volta para a cozinha, senta num tamborete e começa a rir baixinho.
Gostei, clara e louca Clotilde! 

domingo, 28 de outubro de 2012

FALVES SILVA E SEUS 69

XICO SÁ NA EXPOSIÇÃO DE FALVES

UM ESCRACHADO NA EXPOSIÇÃO "ESCRACHADO": MARCELUS BOB

CARLÃO CONTANDO HISTÓRIAS DO TEMPO DO BALALAIKA

CARLÃO DE SOUZA E XICO SÁ

JOÃO DA RUA E O CIGANO

PAULINHO SE APLICANDO LONGE DOS OLHOS DA MÃE NAZARÉ

DOIS ESCRACHADOS

FALVES SILVA E SEUS 69

O CRIADOR E SUAS CRIATURAS


FALVES SILVA E TEREZINHA DE JESUS

 ABIMAEL SILVA E XICO SÁ

LÍVIO OLIVEIRA (ATRÁS: ZIZINHO E PAULA NETO)

FALVES, TEREZINHA, CARLÃO DE SOUZA, ALICE N. E  JOÃO DA RUA

O DJ FERNANDINHO

O PRESIDENTE DO UNIVERSO (DA SAMBA) DORIAN LIMA


FORMAÇÃO DE QUADRILHA

O POETA LENDO O POETA (JOÃO DA RUA E FERREIRA ITAJUBÁ)

TÁCITO E DENISE (LÁ ATRÁS, MOSSORÓ)

ALICE N. E JOTA MOMBAÇA




quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Histórias de Abimalek (1)




Além de sebista e editor, ele era um ótimo contador de histórias. Era narrador fazendo uma cobrança, era narrador pedindo a cerveja, era narrador relatando leituras. Ele era “o” narrador, daqueles do quilate de Cascudo, concluíam alguns enquanto o ouviam contando mais um de seus causos.
Naquele começo de noite de lua nova, por exemplo, o tema era de uma convergência bastante interessante: pichação e escola. Essa história ele narrou no lançamento das “Conferências no Colégio do Atheneu”, o número 342 da sua coleção João Nicodemos de Lima, num fim de tarde na Revistaria Atheneu.  Ao seu redor, sete ou oito pessoas (vice-diretor, professora, vereadora e não sei mais quem, além de Alice N.  e do poeta em processo, fiel escudeiro). Ficaram todos calados e atentos, deleitados com a narrativa do sebista-editor, dinossauro da geração de primeiros livreiros, último representante de uma classe que remonta ao século XVIII...
 Mas eis a história (como contá-la tentando aquela narrativa?):
Nos seus tempos de pichador, anos atrás, quando ainda ensaiava os primeiros passos como sebista, saía anarquizando na sua bike pelas noites tediosas de domingo na pacata capital potiguar. Carlos Eduardo nem sonhava em ser prefeito e o boy ganhava certas madrugadas com uma lata de spray por dentro da camisa, pedalando à cata de muros onde pudesse fazer sua publicidade e apresentar-se ao mundo natalense:

SEBO VERMELHO: TRANSA FIADO, NO PAU OU FAZ TROCA-TROCA

Pois numa daquelas noites tediosas, quando começava na TV o Fantástico, doido para errar, sacou de sua lata (ou tala, na linguagem dos pichadores) e partiu na sua magrela. Pedalou da Cidade da Esperança até Petrópolis, quando deu de cara com o muro da esquina do Atheneu, simplesmente a instituição de ensino de mais tradição na cidade. Nem é preciso pensar nos nomes de quem passou por lá.
Inclusive o jovem e iniciante sebista à época.
Anos depois do episódio, naquele começo de noite de lua nova das Conferências reeditadas, todos olharam imediatamente para o muro. Um muro alto, com três janelões, limpo e ostensivo. Imaginaram, então, como seria convidativo quando antes das atuais grades no muro da escola.
Depois de pichar sua publicidade, pensou o animal – “já trabalhei, agora é hora do lazer. O que é que eu vou pichar?” E como estivesse indignado com o Alfabeto da Xuxa, que naqueles anos de 1980 bombardeava as crianças e todos os demais para que tudo fosse grafado com x, resolveu poetar nas paredes da nobre casa do saber:

A XOTA
DA XUXA
É XUJA

Acontece que na época do ocorrido, segundo ele contou (com aqueles olhos muito azuis por cima dos óculos), atuava na escola um certo professor que, clandestinamente, era dotado da singularidade de ter como apelido também o designativo de Xuxa, certamente por conta de critérios de ordem sexual.
O fato é que tal professor vestiu a carapuça e, alguns dias depois, foi bater lá no Sebo. Escrachou com o aprendiz de pichador: segundo o sebista-editor-narrador-pichador, o professor reconheceu o autor dos escritos infames pela letra (também infame): “Esse foi meu aluno!”
Xujou, Abimalek!