INEXÁGONO
Nada me reside
Há em mim falta de tudo
Mas sou habitado pelo trânsito.
Geometria incalculável me desenho:
Inexágono,
Estilhaço sanguinolento caindo como chuva.
domingo, 4 de dezembro de 2011
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
PERSONAS POTIGUARES: FIA
FIA
FIA
Era estrangulado o sorriso dela. Chegava-se e esgarçava a boca naquele jeito fia de ser, em busca de um trocado ou de atenção. Em uns, repúdio, em outros, graça. Outros também: indiferença.
Pulseiras de cigana. Cicatrizes pelo corpo.
- Fia, no que tu te fias?
Perguntavam os poetas do Beco, em noites alucinadas.
E enquanto seguiam, versos trôpegos noite adentro, o olhar perdido de Fia acompanhava a sombra dos gatos em noites perdidas da tal futurista cidade.
domingo, 27 de novembro de 2011
UMA CRÔNICA
SOB OS CAJUEIROS
Do escritório empoeirado, nos fundos da casa, podia ouvir os gritinhos e risos das meninas brincando no quarto. Tirou os óculos e observou por um instante o quintal lá fora, pela janela escancarada para o sol da manhã. A vida podia ser tão fácil, sim... Tudo simples e espontâneo como o sorriso de uma criança. Tudo forte e sincero como o sol de uma manhã de dezembro.
O perfume dos cajus entrou com um vento ligeiro e adocicado, abalando as narinas e os papeis sobre a mesa. Olhou a desordem dos livros e cadernos e quis morrer. Lá fora, as árvores agitavam-se com suas folhagens muito levemente, como se conversassem entre si:- Você viu que nasceram mais três pardais?
- Você percebeu o orvalho dessa noite, como veio mais pesado?- Você notou que ele nunca mais deitou-se na rede?
De fato, a rede, armada entre os cajueiros, jazia inerte, abandonada, vez ou outra agitada por um vento mais forte. Quantas tardes de sossego, quantas leituras delirantes, quantas quimeras sussurrada em imagens confusas e perdidas para sempre?
Um dos rostinhos surgiu à porta – a declaração de fome.- Já já é hora do almoço, tenha paciência.
- Mas eu quero torrada com goiabada – foi a sentença.Foram à cozinha. Uma frase enquanto passava a geléia com a fria faca: a chuva do caju não lava minha alma.
- Mais uma torrada, pai.- Não lava, não lava...
De novo no escritório, tentou folhear o livro de Trevisan, sem ânimo. Pensou em ler os e-mails mas também não se empolgou. Às onze chegou a velha tia, trazendo as marmitas. De volta à cozinha, enquanto as meninas faziam festa em volta dos pratos, ela tentava dizer algo útil:- Você precisa sair mais, meu filho.
- ...- E seus amigos, onde estão?
- ...- Você precisa é arranjar outra mulher, esquecer de uma vez o passado...
O passado. A chuva do caju não leva meu passado. A chuva do caju não lava minha alma.
E comiam o feijão, enquanto lá fora a rede sob os cajueiros sonhava com beijos de outrora.
terça-feira, 22 de novembro de 2011
terça-feira, 15 de novembro de 2011
O HUMOR NA IMPRENSA NATALENSE: O JORNAL "O PARAFUSO"(1916-1917)
Outro dia, fui ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte em busca de uma revista em que supostamente o poeta Jorge Fernandes teria escrito alguns textos de humor. Não achei a dita cuja (Revista Araruna), porém encontrei, meio por acaso, mas graças ao guia de Manoel Rodrigues Melo e à solicitude de Lúcia, uma preciosidade: o jornal O Parafuso, um periódico humorístico semanal que circulou em Natal de 1916 a 1917.
Já na apresentação de si a verve satírica do jornal se anuncia: tendo como diretor “um jovem” e como colaboradores “quem tiver dinheiro e coragem”, O Parafuso apresentava seções em que se destacava o riso de zombaria, na classificação de Vladimir Propp, isto é, o cômico alcançado a partir do rebaixamento do outro.
Fico imaginando o sucesso de público do jornalzinho. Mesmo sendo uma cidade ainda pacata, vivenciando as primeiras transformações geográficas e sociais que a transformariam numa Nova Natal[1], pode-se dizer que a capital potiguar já apresentava certa tradição de imprensa jornalística, com a edição e circulação de impressos como a revista mensal A Tribuna (1903-1904), dirigida por Pinto de Abreu, ou o jornal O Potyguar (1904-1908), de Gothardo Neto (cf. FERNANDES, 1998). Mas nenhum outro destacou-se como periódico de humor, editado semanalmente e alcançando o número de, pelo menos, 55 edições.
Certamente, O Parafuso era um dos principais hábitos de leitura e divertimento da monótona Natal de então: Dr. Seboso e Dr. Belzebuth se responsabilizavam por seções intituladas Dizem..., Damno-me... e De parafuso em punho..., colunas de fofocas e comentários maldosos a respeito de pessoas e episódios da vida local; Um cego aparecia como responsável pela seção Queria ver..., espécie de coluna de pequenos protestos e reivindicações; e outras alcunhas, como Zé Binga, Língua de Mel, Zé Mulambo, K Tizpero entre outros manifestam uma autoria afiada pelo humor. Vejamos alguns exemplos:
Na seção Dizem... encontramos pérolas como...
- que na rua Borborena appareceu um lobishome ás 3 horas da madrugada;
- que o dito já foi descoberto por um sapateiro que tirou-lhe o couro para fazer um par de sapatos para dar a um rapaz que tem um chamego no beco... (16/04/1916).
- que na rua Amaro Barretto tem uma mulher que se não tomar um chá de talo de bananeira enlouquece (30/01/1916).
Outra seção, que também faz valer o rebaixamento do outro, é a Damno-me..., em que é possível observar a ridicularização de pessoas da cidade, como em...
- com Nezinho por querer ser poeta; vae estudar, jumento...
- com a falta de juíso que tem certa viúva da cidade-alta... (06/02/1916).
Esses poucos exemplos revelam o aspecto disciplinador que estaria associado a esse riso de zombaria. Já que essa manifestação de comicidade estaria apoiada na ridicularização de “defeitos”, fossem verdadeiros ou supostos (PROPP, 1992), O Parafuso, assim, parece pretender regular atitudes e comportamentos, censurando e combatendo tudo o que não estivesse de acordo com os códigos de civilidade da modernidade que então chegava à província[2].
A seção De parafuso em punho... é outra coluna d’O Parafuso que manifesta esse aspecto. Seguindo o título, surgem vários comentários sobre pessoas e/ou situações contra os quais o periódico se coloca. Dentre eles, destaque para trechos como...
- contra uma moça que foi a um enterro e trouxe um gerimú do cemitério (05/03/1916).
- contra a viúva da travessa P. Barros, que não tem verniz;
-contra a mesma que não respeita nem a irmã. Cuidado não seja tão alegre, sinhá cara de saguim (10/12/1916).
O mais curioso – e isso sim me fez rir a valer – é o comentário que aparece na seção Dizem...: “que em Natal há línguas ferinas demais”...
Imagino se os meninos d’O Parafuso visitassem o Beco da Lama nos dias de hoje...
Referências Bibliográficas
ARRAIS, Raimundo. Estudo introdutório. In: ARRAIS, Raimundo. Crônicas de origem: a cidade de Natal nas crônicas cascudianas dos anos 20. 2ª. Ed. Natal: EDUFRN, 2011.
AZEVEDO, Sânzio. A Padaria Espiritual. Fortaleza: Academia Cearense de Letras, 1976.
FERNANDES, Luís. A imprensa periódica no Rio Grande do Norte: de 1832 a 1908. 2ª. Ed. Natal: Fundação José Augusto/Sebo Vermelho, 1998.
PROPP, Vladimir. Comicidade e riso. Vários tradutores. São Paulo: Ática, 1992.
SILVA, Marco Aurélio Ferreira. Uma Fortaleza de risos e molecagem. In: SOUZA, Simone de; NEVES, Frederico de Castro (orgs.) Comportamento. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.
[1] Cf. Arrais (2011), no seu estudo introdutório sobre a cidade à época das primeiras crônicas de Câmara Cascudo. Segundo Arrais, algumas intervenções urbanas já no começo do século apontavam para a modernização da cidade, como a instalação de bondes em 1908 e a iluminação pública em 1911, mas a grande diferença se fez com o Plano Palumbo, na década de 1920, que reorganizou a malha urbana e criou jardins, praças e passeios na cidade.
[2] Também no Ceará é possível ver o mesmo riso disciplinador. Em seu estudo sobre a imprensa cearense do final do século XIX, Marco Aurélio Ferreira da Silva mostra como alguns pasquins, como O Moleque, procuravam, através do riso, “corrigir, regular e modelar hábitos e costumes” (cf. SILVA, 2002).
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