Neste ano de 2013, o poeta visual
Falves Silva completa 70 anos de traquinagens. As comemorações (cujo auge será
em outubro, com exposição na Capitania das Artes), já começaram, com o lançamento,
no dia 15 de junho, da Pindaíba, revista independente de Fortaleza que traz
matéria sobre esse expoente do Poema/Processo e da Arte Postal. Na ocasião do
lançamento, Falves também apresentou a exposição “Cápsulas da Memória”, com
trabalhos em ilustração e colagens reverenciando nomes diversos da cultura
local e internacional e que, de algum modo, atravessaram sua trajetória.
Há vários motivos pelos quais eu
me sinto fã do trabalho e da pessoa desse Mister Boy: desde as agruras que
marcaram sua infância (pelo que foi obrigado a migrar da Paraíba para terras
potiguares e trabalhar logo muito cedo, exercendo atividades múltiplas, como
carregador de baldes d´água, entregador de jornal e ajudante de sacristão),
passando pelo seu autodidatismo (com suas livres leituras no campo dos
quadrinhos, cinema e semiótica) e pela sua presença fundamental na idealização
e composição de jornais da imprensa alternativa da cidade de Natal (como A
Franga, Cebola faz Chorar, Jornalzinho do Sebo Vermelho, A Margem) até chegar à
sua habilidade inventiva em matéria de tiradas cômicas e satíricas. Mas um dos
motivos que me chamam atenção e que destaco neste texto diz respeito à condição
de Falves Silva de sujeito da experiência, nas palavras do educador espanho
Jorge Larrosa, ou, mais precisamente ainda, seguindo a perspectiva do filósofo
alemão Friedrich Nietzsche, de ser/estar no mundo como obra de arte.
Comento isso um pouco mais a
partir de dois trabalhos de Falves, ambos colagens: um, apresentado no zine
Bichiga Taboca, de dezembro de 2002, e outro, apresentado na referida exposição
“Cápsulas da Memória”, realizada lá nas adjacências do Beco da Lama,
tradicional reduto boêmio e artístico da cidade.
Geralmente, uma colagem pode se
definir como a apropriação/intervenção sobre imagens e textos de origens
diversas, ressignificados e abertos à “versão” do espectador. Nesse trabalho,
em meio a uma avalanche de letras de distintas fontes e uma série de ícones (do
cinema, da música, das artes plásticas), lá está o rosto de Falves Silva, como
a querer dizer: também eu faço parte dessa fauna, também eu posso narrar, num
transbordamento de linguagens, a minha existência. Eu, sujeito assim exposto e
imposto, fruto de uma experiência criativa/interpretativa que não cessa nunca.
Eu, paixão. Paixão sim, já que “se a experiência é o que nos acontece e se o
sujeito da experiência é um território de passagem, então a experiência é uma
paixão” (LARROSA, 2004, p. 163).
Nessa narrativa de si de sujeito
passional, nenhum problema em nivelar-se a Beethoven ou Che Guevara e nem cabe julgar
isso com olhar moralizante. Como diria Nietzsche, ao Diabo com a moral!
(NIETZSCHE, 2006, p. 77). O que vale, em uma concepção dionisíaca de arte, é a
“vontade de vida”, “o triunfante Sim à vida” (NIETZSCHE, 2006, p. 105).
A mesma vida que se afirma no
excesso, na força, na plenipotência da mistura de linguagens. Porque se a
linguagem nunca dará conta do real, é preciso abusar dela, fazê-la transbordar
além de seus limites. Assim, não seria o Nadaism
esse vácuo em que pode caber o tudo, não só seus prazeres e seus pavores mas sobretudo
a reinvenção do eu pela própria arte, única maneira de escapar à morte?
Quanto mais vejo os trabalhos de
Falves Silva, mais admiro sua condição de sujeito passional e de artista
dionisíaco, aquele que já se delineava quando, moleque ainda, costumava agradar
aos papudinhos da vizinhança por cantarolar Jackson do Pandeiro. Sinto-me feliz
por tê-lo conhecido e poder ouvir suas histórias enquanto tomamos juntos
algumas cervejas pelos botecos da Cidade-Alta.
Um brinde à vitalidade de Falves
Silva. Um brinde à vida!
REFERÊNCIAS
LARROSA,
Jorge. “Linguagem e educação depois de Babel”. Tradução de Cynthia Farina. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.
NIETZSCHE,
Friedrich. “Crepúsculo dos ídolos”. Tradução de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 2006.
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