quinta-feira, 27 de junho de 2013

70 ANOS DE FALVES SILVA: A VIDA COMO OBRA DE ARTE - por Cellina Muniz

Neste ano de 2013, o poeta visual Falves Silva completa 70 anos de traquinagens. As comemorações (cujo auge será em outubro, com exposição na Capitania das Artes), já começaram, com o lançamento, no dia 15 de junho, da Pindaíba, revista independente de Fortaleza que traz matéria sobre esse expoente do Poema/Processo e da Arte Postal. Na ocasião do lançamento, Falves também apresentou a exposição “Cápsulas da Memória”, com trabalhos em ilustração e colagens reverenciando nomes diversos da cultura local e internacional e que, de algum modo, atravessaram sua trajetória.
Há vários motivos pelos quais eu me sinto fã do trabalho e da pessoa desse Mister Boy: desde as agruras que marcaram sua infância (pelo que foi obrigado a migrar da Paraíba para terras potiguares e trabalhar logo muito cedo, exercendo atividades múltiplas, como carregador de baldes d´água, entregador de jornal e ajudante de sacristão), passando pelo seu autodidatismo (com suas livres leituras no campo dos quadrinhos, cinema e semiótica) e pela sua presença fundamental na idealização e composição de jornais da imprensa alternativa da cidade de Natal (como A Franga, Cebola faz Chorar, Jornalzinho do Sebo Vermelho, A Margem) até chegar à sua habilidade inventiva em matéria de tiradas cômicas e satíricas. Mas um dos motivos que me chamam atenção e que destaco neste texto diz respeito à condição de Falves Silva de sujeito da experiência, nas palavras do educador espanho Jorge Larrosa, ou, mais precisamente ainda, seguindo a perspectiva do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, de ser/estar no mundo como obra de arte.
Comento isso um pouco mais a partir de dois trabalhos de Falves, ambos colagens: um, apresentado no zine Bichiga Taboca, de dezembro de 2002, e outro, apresentado na referida exposição “Cápsulas da Memória”, realizada lá nas adjacências do Beco da Lama, tradicional reduto boêmio e artístico da cidade.




Geralmente, uma colagem pode se definir como a apropriação/intervenção sobre imagens e textos de origens diversas, ressignificados e abertos à “versão” do espectador. Nesse trabalho, em meio a uma avalanche de letras de distintas fontes e uma série de ícones (do cinema, da música, das artes plásticas), lá está o rosto de Falves Silva, como a querer dizer: também eu faço parte dessa fauna, também eu posso narrar, num transbordamento de linguagens, a minha existência. Eu, sujeito assim exposto e imposto, fruto de uma experiência criativa/interpretativa que não cessa nunca. Eu, paixão. Paixão sim, já que “se a experiência é o que nos acontece e se o sujeito da experiência é um território de passagem, então a experiência é uma paixão” (LARROSA, 2004, p. 163).

Nessa narrativa de si de sujeito passional, nenhum problema em nivelar-se a Beethoven ou Che Guevara e nem cabe julgar isso com olhar moralizante. Como diria Nietzsche, ao Diabo com a moral! (NIETZSCHE, 2006, p. 77). O que vale, em uma concepção dionisíaca de arte, é a “vontade de vida”, “o triunfante Sim à vida” (NIETZSCHE, 2006, p. 105).
A mesma vida que se afirma no excesso, na força, na plenipotência da mistura de linguagens. Porque se a linguagem nunca dará conta do real, é preciso abusar dela, fazê-la transbordar além de seus limites. Assim, não seria o Nadaism esse vácuo em que pode caber o tudo, não só seus prazeres e seus pavores mas sobretudo a reinvenção do eu pela própria arte, única maneira de escapar à morte?
Quanto mais vejo os trabalhos de Falves Silva, mais admiro sua condição de sujeito passional e de artista dionisíaco, aquele que já se delineava quando, moleque ainda, costumava agradar aos papudinhos da vizinhança por cantarolar Jackson do Pandeiro. Sinto-me feliz por tê-lo conhecido e poder ouvir suas histórias enquanto tomamos juntos algumas cervejas pelos botecos da Cidade-Alta.
Um brinde à vitalidade de Falves Silva. Um brinde à vida!



REFERÊNCIAS
LARROSA, Jorge. “Linguagem e educação depois de Babel”. Tradução de Cynthia Farina. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
NIETZSCHE, Friedrich. “Crepúsculo dos ídolos”. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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