sábado, 11 de maio de 2013

A VOLTA DE ALICE N.


Depois de um chá de sumiço, quando eu menos esperava, eis que ela simplesmente me aparece, o sorriso mais sonso na cara. Alice N. voltou.
- Cheguei!
Tentei ignorar, como quem não dá a mínima por sua existência. Ela nem te ligo, largou as tralhas no meio da sala (uma bolsa colorida cheia de livros, papeis e algumas roupas) e foi se despindo para o banho. Não parava de tagarelar, só coisas desencontradas e sem nenhum controle.
- É assim mesmo, meu bem - falou, como quem consola - vida de rotinas e vida de aventuras, não foi assim que falou o teu mestre?
Acabei caindo no truque:
- Nietzsche?
Em resposta, ela deu uma gargalhada gostosa e foi para o banheiro. Uma sonsa aquela Alice N. Uma irresponsável, uma cínica, uma egoísta...
Suas palavras não me davam sossego. E sua presença, novamente materializada depois de tanta ausência, eram um misto de inquietação e alegria.
Enquanto eu me organizava para a lida do dia seguinte (seria Leminski? Talvez, mas não era muito o estilo dele...), ela cantarolva no chuveiro uma canção italiana, muito inocente. Pensei em fuçar suas coisas, saber o que andara escrevendo e aprontando.
- Alice N., por onde você andou? - eu quis saber, vendo os pingos escorrendo do corpo dela e ensopando o chão da casa.
- Por aí... E por aqui?
Aquela merda de sempre: a imprensa espremendo sangue das notícias, os egos inflados, as amizades frágeis que se vão...E, por certo, um próximo livro a ser lançado.
-Bukówski?
Em resposta ela me deu as costas e foi comer uma maçã. E eu fiquei ali, feito boba. O que se pode exigir de uma criatura dessas? O que se pode exigir da vida? Tudo? Todos os compromissos e promessas, fidelidade e dedicação?
Alice N. era como qualquer um: aquela contradição.
Observando a figurinha mastigando sua fruta muito candidamente, eu sentia minha respiração voltando ao normal. Quando minha revolta esfriou de vez, lembrei, num estalo:
-Maffesoli! Claro!
E a vida seguiu.

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