domingo, 18 de março de 2012

MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

O GARÇON E SUA FILHA


A mesa 5 chamou de novo. Foi correndo, ziguezagueando entre os clientes, equilibrando com maestria a bandeja com o pedido da 8. Bife com batata. Uma água mineral, pediu o cara da 5. Quando levou, pediu também uma coca-cola. Diabos, por que não faziam os pedidos todos de uma vez? Era a pergunta que se fazia em seus vinte anos de garçom.
Enquanto voltava ao balcão para apurar a conta da mesa 20, pensou em Camila. Será que já estaria na rua àquela hora, em busca de pedra? Consultou o relógio, limpando a testa com o lenço. Doze e doze. Podia vê-la circulando à toa, por becos e vielas, feito zumbi, sob o sol escaldante da cidade noiva do sol..
Foi ao banheiro dos funcionários e tirou a pequena garrafa do bolso, entornando um gole sofregamente. Olhou-se no espelho, reparando nos olhos cansados. Mas só via Camila, junto a viciados e marginais, sentada numa calçada qualquer, pitando o pequeno cachimbo e tragando com expressão extasiada.
Seres sem som sem senso sem sintonia com simetria nenhuma. O crack. A  lombra da vez. Onde danado estaria Camila?
Camila, Camila!
Grito em vão
Teu maldito nome...
Por que trilhas, Camila,
Tu te desvias
e simplesmente
some?
Depois que a mesa 20 pagou a conta, foi ao banheiro dos funcionários outra vez, nos fundos do restaurante. Tirou a pequena garrafinha do bolso e entornou um grande gole, derramando cachaça pelos cantos da boca. Certamente, àquela hora, Camila já queimava a segunda pedra, com seus companheiros pobres-diabos de sempre. Ou terceira? Lavou o rosto, olhou-se no espelho, encarando seus olhos cansados. E quem não era pobre-diabo nessa vida?
Voltou para o salão. Um casal sentava-se à mesa 20, novamente ocupada. Pegou o cardápio e foi até lá. Certamente pediriam uma feijoada. E certamente uma cerveja. E uma água de coco. E certamente não de uma única vez, num único pedido.

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