domingo, 21 de agosto de 2011
VIVA ANTÔNIO NÓBREGA!
Na última noite de lua cheia deste alegre agosto, uma ótima festa na cidade do Natal: Antônio Nóbrega, com toda a ginga e magia de sua música e dança. Até a provocação do artista local que se apresentou antes ele tirou de letra... Ele, que embalou minha filha nas suas primeiras agruras da vida (as cólicas dos três meses de idade). Um artista na melhor acepção da palavra: Viva Antônio Nóbrega!
CHEGANÇA
Sou Pataxó,
sou Xavante e Cariri,
Ianonami, sou Tupi
Guarani, sou Carajá.
Sou Pancararu,
Carijó, Tupinajé,
Potiguar, sou Caeté,
Ful-ni-o, Tupinambá.
Depois que os mares dividiram os continentes
quis ver terras diferentes.
Eu pensei: "vou procurar
um mundo novo,
lá depois do horizonte,
levo a rede balançante
pra no sol me espreguiçar".
eu atraquei
num porto muito seguro,
céu azul, paz e ar puro...
botei as pernas pro ar.
Logo sonhei
que estava no paraíso,
onde nem era preciso
dormir para se sonhar.
Mas de repente
me acordei com a surpresa:
uma esquadra portuguesa
veio na praia atracar.
De grande-nau,
um branco de barba escura,
vestindo uma armadura
me apontou pra me pegar.
E assustado
dei um pulo da rede,
pressenti a fome, a sede,
eu pensei: "vão me acabar".
me levantei de borduna já na mão.
Ai, senti no coração,
o Brasil vai começar.
PERSONAS POTIGUARES: ZÉ AREIA
José Antônio Areias Filho (1901-1972), transmudado de pessoa a personagem por conta de seu humor afiado, quase Rei Momo, transeunte dionisíaco das Rocas e da Ribeira, celebrizou-se graças à memória de seus conterrâneos, amigos de boemia e admiradores. A seguir, algumas histórias das muitas registradas por Veríssimo de Melo (em "Sátiras&Epigramas" e "Pequena Antologia do Humor Natalense"):
Entrando no restaurante de D. Zefinha, nas Rocas, Zé Areia pediu uma galinha assada. Veio o prato e ele ia começar a comer. Mas, num gesto fidalgo, ofereceu-o à dona da casa, nestes termos:
– Vamos comer uma galinha, dona Zefinha?
A mulher, mau-humorada, respondeu bruscamente:
– Não gosto de galinha.
Ao que ele completou:
– Isso é que é uma classe desunida!
Encontrando um amigo, que morava nas Rocas, Zé Areia disse:
– Eu hoje vou almoçar e jantar com você.
O homem respondeu zangado:
– Na minha casa não entra corno!
Zé Areia indagou:
– E você dorme na calçada?
Faz pouco tempo, Zé Areia andava na Av. Tavares de Lyra com uma sela para vender. Encontrando Mário Vilar, que passava apressado, ofereceu a mercadoria, assim:
– Seu Mário, eu tenho uma sela para vender ao senhor!
Mário respondeu em cima da bucha:
– Eu não sou cavalo!
Ao que Zé Areia retrucou:
– Mas serve também pra burro!...
Entrando numa peixada, nas Rocas, Zé Areia observou vários rapazes que discutiam sobre as melhores partes do peixe. (...) Lá para as tantas, um dos rapazes pediu a opinião dele sobre a parte do peixe que preferia. Improvisou esta quadrinha:
Embora tudo aconteça,
De valente não me gabo;
Do peixe quero a cabeça,
Da mulher prefiro o rabo.
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO

BACTÉRIA
Quando chegou de viagem foi que soube. Ela simplesmente morreu. Dois dias antes dele voltar. Morta, ela estava morta. Como é que essas coisas acontecem? Como é que alguém simplesmente morre em sete dias? Como é que ela morria assim, e, já defunta, também enterrada?
Soube porque começaram a ligar logo para ele. Já chegou? Já está na cidade? Já soube de Luciana?
E daí Luciana? Luciana era como Lygia, que era como Liana, que era como Liomar, que era como Lea, que era como a figura da carta 11 do Tarô, A Força, leão a ser domado, leão em que ser transformado... Luciana morreu. Uma bactéria a matou. Um descuido, talvez. Uma fatalidade, decerto. A vida. Essa vida cheia de acasos e ocasos. Pois Luciana morreu. Bastava ir ao cemitério do Alecrim. Era lá onde ela estava agora então.
Logo no Alecrim, pensava, no carro, enquanto lágrimas incontidas escorriam silenciosas pelo rosto. Na feira do Alecrim, um dia, selaram paz às seis horas da manhã, as primeiras horas abertas do dia. A hora mais fresca e sábia do dia, como falou um dia Melville, o momento logo depois em que acorda o homem para mais um dia.
Viu-a na feira, comendo tangerina. Triturando todo o bagaço... Ela devorava a fruta e certamente alimentava delírios que ele não suporia jamais. E havia favas, e pinhas, e havia também o amor, efêmero, fugaz, impermanente como tudo.
Luciana morreu. Ele penava assim, a caminho de seu pequeno apartamento, aquele que foi um dia refúgio, ponto de fuga. Precisava saber. Precisava chegar lá, tocar a campainha, entrar e encontrá-la deitada na rede à sua espera numa tarde chuvosa de domingo... Precisava saber que não era verdade, que ela estaria ali, viva, muito viva como sempre havia sido, sempre, com seu olhar, seu jeitinho meio tolo de se comportar quase sempre, sua dimensão magrinha de ser... Precisava ver para crer que ela não estava morta, que ainda vivia ali e o esperava, sempre alerta, sempre ali, desde sempre, o sempre, absoluto e infindável, o sempre dos olhos virados, das estrelas no céu, da saudade que se mata entre quatro paredes, no balanço da rede, na fuga da monotonia da tarde de domingo e da angústia do existir cujo fim é a bactéria.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
VIVA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO!!!
A minha democracia
Por Rafael Duarte
Na minha democracia eu vou mandar prender o primeiro sujeito que me chamar de ditador. E se ele resistir à prisão, só lhe restará, democraticamente, um lugar no paredão. Na minha democracia só vai ter jornal de papel porque se não for pra sentir o cheiro da notícia o jornalismo pra mim já não fará mais o menor sentido. Na minha democracia o samba vai até de manhã porque o ‘cara’ mesmo era o Cartola e se foi ele quem disse que o Sol Nascerá ninguém haverá de negar a profecia mais óbvia.
Na minha democracia Flamengo é Flamengo e, só por causa disso, mas só por causa disso mesmo, eu não precisaria dizer mais nada. Na minha democracia os direitos serão iguais: a polícia, por exemplo, só vai algemar bandido rico porque o pobre, a sociedade já trata de algemar há muito tempo. Na minha democracia um carro importado e um prato de comida vão custar o mesmo preço: o da consciência de cada um. Na minha democracia partido só vai ter se for bem alto. Até o último partideiro reclamar que a voz está falhando porque, pela centésima vez, acabou a cerveja no bar da Nazaré numa quinta-feira de samba.
Na minha democracia, Lula e Fernando Henrique vão sentar na mesma mesa de bar e dividir a mesma garrafa de cachaça porque eu sei e você sabe quem derruba quem nessa brincadeira. Na minha democracia, as chances do ABC não subir para a primeira divisão serão as mesmas do América jogar a série C na casa da Frasqueira. Na minha democracia reeleição é caso de política. E política é caso de... deixa pra lá. Na minha democracia, o prêmio nobel vai para o primeiro cientista que descobrir porque durante uma divergência sempre falta neurônio na hora H.
E pode escrever aí que eu assino embaixo: na minha democracia, os meus amigos de fé hão de entender que meus defeitos vêm de fábrica ainda que meus pais sejam inocentes até que se prove o contrário. E eu sei que, todos eles, na alegria e na tristeza, me apoiarão por saber que meus desafios valem todo e qualquer sacrifício. Na minha democracia, um mais um vai ser igual a dois independente da porra da bolsa de Nova Iorque.
É que na minha democracia, diante do trono é apenas um passo antes da merda. E vamos ser sinceros: se a prefeitura virar um programa de TV, 90% da população muda de canal na minha democracia.
Na minha democracia a imprensa livre é necessária, mas uma sociedade bem informada é fundamental. Farei mesmo é como o Aldir Blanc: perdoo a todos, não peço desculpas. Afinal, independente de qualquer democracia, foi isso que eu quis viver.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO
UM FERIADO
Quando a viu, viu primeiro sua boca. Boca de lábios finos, quase nervosos. Fumando o cigarro se tornavam mais ríspidos. Lábios de Rita, a ríspida.
O quarto era um cafofo. Uma maloca velha, desejada de ninguém. Tinha a percepção completa daquela realidade. Olhava cada canto, cada viga, cada mancha, ofegante ainda da caçada, e constatava – bom demais para durar. Era como uma trégua, bananas e maçãs maduras em plena trincheira de guerra. Era como uma ilha, manancial de água doce e sombra de coqueirais em meio à vastidão salgada e imperdoável do oceano. Rita, naquele quarto minúsculo, escuro e fétido, era um lenço branco no amontoado de roupa suja e mofada. Um lenço com bordas de renda, cheirinho doce de alecrim e lembranças perdidas de infância feliz.
Rita: um cigarro nos lábios finos e vermelhos, olhar perdido de mulher perdida. Tá olhando o quê, otário? Rita, a ríspida. Ficou calado, sem ter o que dizer. Minutos depois, desistiu do café e pediu uma dose, no botequim. Sabe de uma coisa, pensou, hoje vai ser feriado. Mais animado, perguntou, quase doce, aceita uma dose? Óbvio! ela exclamou, rispidamente. Assim era Rita. Rita de Cássia. É, nome cafona, eu sei, ela disse, quando se apresentou. Mas no nome não cabe a pessoa, ele disse. E ela gostou. Mais outra dose, então.
Depois foram ver o mar, encharcados de cachaça e de vontade. Era uma louca, a Rita. E os lábios eram uma delícia, como seus cabelos cacheados e seu olhar de fúria. Como já adivinhava, ao vê-la entrar no boteco, fatigada de mais uma noite de lida. O que você faz? perguntou, só para testá-la, sem coragem de olhar nos olhos dela. Eu sou puta, declarou, devorando o último naco de carne do espetinho de um outro botequim. Caía a noite. A melhor hora do dia. Hora de fazer planos, de se permitir sonhar. Vixe! ele não conseguiu segurar. Ela o encarou, com firmeza. E você faz o que, maioral? Eu? Sou operador de xerox, mentiu. Ah, é? Trabalho numa biblioteca, oito horas cercado de livros e revistas, no mezanino. Ah, é? E que porra é mezanino? Mezanino? É, que porra é essa? É o piso em que trabalho. Fica no vão de uma escada. Ah, é? Então me diz uma coisa, quando alguém sobe a escada, e você sente que tem alguém por cima de você, você goza? Ele riu, quase engasgando com a cebola da farofa. Pois é, eu pelo menos consigo, de vez em quando, explicou Rita, a ríspida.
A melhor de todas, ele já sabia, olhando para ela enquanto seguiam no ônibus. Mil vezes melhor que Lívia, a lívida. Ou Malena, a maligna. Amaria Rita por mil anos, concluiu. Mas era bom demais para durar, soube, com o rosto mergulhado no sexo salgado de mar, um portal de luz naquele quarto sombrio onde ela morava. O melhor lugar do mundo.
As primeiras réstias de luz se adiantavam, tímidas, quando Rita dormiu. Dormia candidamente, e não tinha nada de ríspida, com seus traços suaves, suas linhas perfeitas. Nada ríspida, depois de uma caçada tão furiosa. Um sossego aquilo ali. Uma paz que mezanino de biblioteca nenhum daria. Amaria Rita por mil anos.
Catou as peças de roupas espalhadas pelo chão. Um gato surgiu do escuro, observando sua fuga. E fugiu, girando a chave com cuidado, abrindo a porta, escapando madrugada afora, porque aquilo ali era bom demais para durar.
domingo, 14 de agosto de 2011
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
POETAS POTIGUARES: PALMYRA WANDERLEY

PITANGUEIRA
Termina agosto. A pitangueira flora,
A umbela verde cobre-se de alvura.
E, antes que de setembro finde a aurora,
Enrubesce a pitanga, está madura.
Da flor o fruto é de esmeralda agora.
Num topásio depois se transfigura,
E, pouco a pouco, um sol de estio o cora,
Dando a cor dos rubis à carnadura.
A pele é fina. A carne veludosa,
Vermelha como o sangue, perfumosa,
Como se humana a sua carne fosse.
Do fruto, às vezes, roxo como o espargo,
A polpa tem um travo doce amargo,
O sabor da saudade amargo e doce.
(In: Roseira Brava)
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