quarta-feira, 27 de março de 2013
POESIA PARA O DIA
AS FLORES
SÃO MESMO
UMAS INGRATAS
A GENTE AS COLHE
DEPOIS ELAS MORREM
SEM MAIS NEM MENOS
COMO SE ENTRE NÓS
NUNCA TIVESSE
HAVIDO VÊNUS
PAULO LEMINSKI
segunda-feira, 11 de março de 2013
MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO (DEDICADO À PATRÍCIA MELO)
ESCREVENDO
NO ESCURO TAMBÉM
Largou
o livro, numa expressão de enfado. Ô ódio! Vai escrever bem assim no inferno,
sua maldita. Foi até a geladeira e pegou uma maçã, o estômago doía. Gastrite ou
úlcera? O exame era na sexta. Na quinta tinha a panfletagem. Olhou para o
fanzine no chão, ainda por terminar. Quero lá saber de poesia marginal agora.
Quero lá saber de nada.
É
que a lua estaria cheia dentro de algumas horas, sabia. É que seus hormônios
infames a atacavam novamente, sabia também. E daí? É que não fazia outra coisa
a não ser pensar na criatura. Dois anos naquela joça: ia dormir pensando na
criatura, acordava pensando na criatura e quando sonhava, era a criatura o objeto
de suas condensações e deslocamentos oníricos. Uma verdadeira praga. Ô ódio!
Cara Patrícia. Eu te adoro. Você escreve como ninguém.
Adoro seus romances, adoro seus contos. Mas você não supera Clarice,
queridinha. Isso não.
Por falar em Clarice, já que se há de escrever, que ao menos não se
esmaguem com palavras as entrelinhas. Isso ela leu numa reportagem sobre as anotações de leitura
de Ana Cristina. Outra louca atacada. Teria ela também gastrite?
Ou
úlcera?
Quem,
Clarice ou Ana Cristina?
A
Patrícia...
É,
Leminski, haja hoje para tanto ontem. Tinha ímpetos de pegar no telefone, ligar
qualquer número ao acaso e perguntar para quem quer que atendesse:
-
Alô?
-
Me diga uma coisa, por gentileza: o que fazer com essa dor a me roer as entranhas,
com essa obsessão a me triturar os nervos, com esses hormônios a me envenenarem
o sangue e com essa lua a me revirar pelo avesso?
-
Vai lavar uma louça, minha filha. Ou pegar no cabo de uma enxada, também tá
valendo. Já viu as estatísticas de quantas crianças morrem por dia de inanição?
Tu,
tu, tu...
Somente
tu.
Olhou
para a tela vazia do computador. Nada, totalmente no escuro.
Querida Patrícia. Seu conselho, de começar a escrever
seja lá o que for não adiantou de nada. Continuo às cegas. Aliás, já te falei
que te adoro? Mas não mais que Clarice, claro...
O
estômago doía. No chão, o fanzine esperava por ser finalizado. Pegou novamente
o livro, resignada. Logo mais a lua estaria no céu. E em uma semana estaria
minguante.
terça-feira, 5 de março de 2013
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
10 anos de PINDAÍBA!!!
A REVISTA PINDAÍBA, UMA PUBLICAÇÃO INDEPENDENTE, ATREVIDA, METIDA A BESTA E CHEIA DE VONTADE DE POTÊNCIA, GRAÇA E INDIGINAÇÃO, IDEALIZADA, INSPIRADA E VIVENCIADA POR UMA CERTA MARGINÁLIA DA CIDADE DE FORTALEZA, CAPITAL DA TERRA DE IRACEMA, ESPECIALMENTE NO BAIRRO DO BENFICA, COMPLETA 10 ANOS EM SUA TERCEIRA EDIÇÃO. VIVA OS IMPRESSOS QUE DESORDENAM OUTRAS FORMAS DE SER E VIVER ARTE.
VIDA LONGA À PINDAÍBA E AOS PINDAIBEIR@S!
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
MAIS UM CONTINHO ORDINÁRIO
O DEDO DO PÉ
Tinham a mesma idade e eram do mesmo signo
lunar. A diferença: uma patroa, outra empregada. Então, em certas manhãs,
enquanto uma passava o pano no chão, a outra saía à toa para saborear sua
contradição.
Ambas tinham uma filha, meninas também, com
quase a mesma idade. A patroa (que boazinha que ela era...) permitia que a
empregada (que sortuda que ela era...) levasse a filha para o trabalho.
Numa daquelas manhãs contraditórias, antes de
sair, a patroa-mulher cismou com uma coisa. As duas meninas, enquanto comiam
cereal com leite, divertiam-se com os trejeitos de um palhaço na TV. Soltavam
gargalhadas sonoras naquela beleza que pode ser a infância, o que chamou a
atenção dela, distraída no sofá com suas conjecturas. Olhou para as duas, observando
a cena, quando percebeu. O dedo do pé.
Que dedo feio! Horrorizou-se em pensamento. Era
o dedo mínimo, que, na criaturinha, parecia mais ínfimo ainda. O dedinho do pé
direito, quase imperceptível, mostrou-se para ela estranhamente grotesco e
monstruoso.
Um dedo. Um centímetro teria? Quantas léguas
trilharia aquele dedinho de pé? Quais os caminhos desconhecidos para se trilhar,
quais os labirintos a se percorrer?
Enquanto as meninas riam a valer, a mulher
saiu, incomodada por demais com aquela presença. Um dedo do pé. Passou o dia
fora, ocupada em distrações diversas, mas quando chegou em casa, no fim da
tarde, não pôde se controlar e fixou-se de pronto no dito cujo, quase escondido
na chinelinha gasta.
Foi tomar um banho, nauseada com aquela visão.
Como é que não vira aquilo antes, depois de tanto tempo? Após a ducha, não quis
jantar, ainda impressionada com o horror do dedinho. Rolou na cama por várias
horas, sem conseguir dormir. E quando finalmente adormeceu, sonhou.
Assim era seu sonho.
Sonhou que seguia por uma praia deserta. Isso
mesmo, de novo. Caminhava e parecia ser cedo, muito cedo, o sol mal saíra. Ia
pela risca onde as ondas morriam na areia, quando, subitamente, surgiu à sua
frente uma pequena caixa dourada e ornada, de puro ouro.
Ajoelhou-se e ao abrir a caixa, deparou-se com
o dedo já arroxeado, decepado de seu corpo.
Enojada, correu e correu quando viu uma porta e
correu em sua direção. Parou ofegante frente a ela, abriu e ao entrar deu com o
espetáculo.
Pessoas diversas, todas estranhas, homens e
mulheres, corriam desesperadas em todas as direções. Algumas caíam e eram
pisoteadas e uma fumaça negra cobria rostos e vultos numa sombra de pavor.
Acordou assustada, já atrasada para os
compromissos do dia. No trabalho foi que ouviu a notícia: um incêndio em uma
casa de show em outra cidade matou mais de duzentas pessoas.
Foi um dia péssimo. Com olheiras, discutiu com
um colega, derramou café na blusa branca, errou nas contas e não conseguiu
achar em nenhuma das gavetas uns papeis de que precisou. E logo que chegou em
casa, exausta, um rostinho feliz veio lhe saudar com aquela presença
terrificante: o dedo mínimo do pé direito, ainda pavorosamente horrível.
Deus do céu, que asco! Trancou-se mal-humorada
no quarto, mal falou com ninguém. E quando dormiu, outro sonho veio assombrar
sua noite.
Dessa vez, saindo de um quarto fechado e escuro
feito breu, deu de cara com uma praia cheia de cadáveres. Candidamente, ondas
batiam nos corpos inertes que ocupava a praia às centenas, aos milhares. Entre
os mortos, homens e mulheres todos nus, avistou, ao longe, novamente a mesma
caixa de ouro reluzente.
Não foi trabalhar nesse dia. E saiu logo cedo,
procurando não esbarrar com a visão ameaçadora. Auele dedo aterrorizava seu
pensamento como prenúncio ameaçador do mal. Que seria aquilo? Que fantasma ou
demônio funesto aquele a lhe espreitar?
Andou a esmo o dia todo, sem destino certo,
distraída no sinal vermelho, esquecida entre vitrines e bancas de revista. E
assim feito zumbi, viu a manchete a escorrer o sangue lucrativo: mais de três
mil mortes com o tsunami no litoral de um outro país.
Ao acordar, suada, na alta madrugada, teve
certeza: era o dedo. O incêndio, a onda gigante, era tudo culpa do dedo! Claro!
Claro, claro, claro. E enquanto o dedo pisasse sobre a terra, mortes
aconteceriam até que... até...
Não teve dúvida. Aquele dedo tinha que ser
expurgado. Cortado, amputado, sangrado e dizimado. Precisava virar pó para
fazer cessar a fúria da Mãe Terra. Era preciso desmaterializar aquele dedo do
planeta para rematerializá-lo em algo outro. Outra coisa. Outra vida. Sim,
porque o mundo é assim mesmo absurdo e tudo cabe e se explica no dedo mínimo do
pé de uma criança.
Mas como fazer? O que sua empregada iria
pensar? Jamais permitiria aquele gesto, evidentemente. Não aceitaria nunca,
julgaria uma atrocidade, não perceberia a magnitude do ato brutal.
E, confusa, odiava a si mesma por nunca ter
percebido, em todos aqueles anos, aquele dedo maléfico. Mas que atitude poderia
ter tomado antes? Como iria saber? Não havia jeito, a solução era agir logo e
de maneira mesmo trágica, quaisquer que fossem as consequências. É, mas como
fazer?
Uma anestesia potente para fazer a menina
dormir profundamente? Então o golpe rápido e fatal, dando fim ao dedo com o
facão de carne da cozinha? Ah, o horror, o horror, gemia, miserável, imaginando
já o rosto de censura e ódio da empregada-mulher.
Três dias depois, sem dormir e sem comer,
obcecada com a ideia fixa – o espectro do dedo a lhe angustiar Após o almoço,
numa tarde sonolenta, ordenou, voz decidida de patroa:
– Vai lá na mercearia e me traz o que tá nessa
lista.
As meninas dormiam a sesta juntas, na mesma
cama. Dali a um instante, mesmo que já fosse pelo meio do quarteirão, a
empregada ouviu os gritos de dor, confusa com o estranho poema que estava escrito
no papel em vez de uma lista de compras, enquanto a mulher-patroa, agarrada à própria
filha, tentava lhe consolar:
– Foi preciso, minha filha, foi preciso...
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
CONVERSA COM FERNANDO LUCENA, O VEREADOR QUE SÓ LÊ OS COMUNISTAS - por Cellina Muniz e Jota Mombaça
Os três poderes
São um só:
O deles
Nicolas Behr
No dia 22 de janeiro, numa bela tarde, eis a
novidade na rua Professor Zuza (aquela ali ao lado do IFRN da Cidade Alta, mais
precisamente, onde fica o bar-restaurante de Zé Reeira): uma faixa na entrada
da rua, tal qual porteira para o gado passar, anunciava: Espaço Cultural Dr. Rui Pereira dos Santos.
Nós e um grupo de amigos (o sebista-editor
Abimael Silva, o professor João da Mata, o poeta Volonté e o pluriartista
Falves Silva) discutíamos justamente o absurdo daquela “arrumação” quando o seu
responsável, o vereador Fernando Lucena, irmão do finado Rui Pereira, apareceu
por aquelas bandas, com aquele ethos de coronel que vai checar o seu curral. A
propósito de rebanhos, naquele momento não havia nenhum militante do PT (talvez
por conta do fechamento da sede, após o período eleitoral). Pois ele se aproximou,
juntamente com o rapaz de nome Bruno, filho de Rui Pereira, a fim de saber o
que achamos da novidade.
Quem pergunta quer saber, supõe-se, e então mandamos
os questionamentos: qual o vínculo afetivo e simbólico o senhor Rui Pereira
(cujo rosto já havia sido grafitado no muro do IF, não se sabe por que
barganha) teve com aquele espaço da cidade? A escolha daquele nome foi fruto de
uma consulta popular junto às pessoas que por ali moram, trabalham e/ou
frequentam habitualmente ou foi simplesmente uma medida imposta goela abaixo?
Há, efetivamente, representatividade e legitimidade naquela placa, além de sua
cafonice visual?
Alguns esboços de resposta: não, ele não consultou
ninguém porque ele é vereador e “representa” a cidade inteira; seu irmão Rui
Pereira foi uma pessoa muito importante (segundo o filho Bruno, ele foi quem
criou a FLIPIPA, viu, Dácio...) e “é meu irmão e eu quis homenageá-lo”. E
acrescentou: “não deram o nome da ponte de Newton Navarro?”
Como se já não bastasse o assumido nepotismo e
pretenso controle dos espaços culturais da cidade, o vereador ainda demonstrou
sua ignorância acerca da literatura local, pois se tivesse lido “Do outro lado
do rio, entre os morros”, obra na qual Navarro descreve o cotidiano na Redinha
dos anos 70, ele entenderia a razão do nome, muito mais justo e legítimo do que
aquele que ele quer impor à rua Professor Zuza (aliás, este sim um habitué
daquele espaço, mais do que Rui Pereira foi).
Indagado se havia lido Navarro para pensar um
pouco acerca das relações simbólicas entre um nome e um espaço da cidade, o
vereador respondeu com essa pérola: “eu só leio os comunistas”. E só faltou
dizer: “e apenas os livros de capa vermelha”. Não foi capaz de citar um só
título de Gorki ou um verso de Maiakóvski...
Enfim, sem argumentos, desqualificou nosso
grupo (nunca ouviu “tanta besteira”) e retirou-se, muito digno. A tarde seguiu
e na mesa ao lado, uma outra polêmica se armava, certamente mais inteligente:
quem jogou no Botafogo em 1972?
A pseudo-homenagem ao senhor Rui Pereira dos
Santos (que, aliás, também não deve ter sido consultado) só reflete a mentira
dos poderes constituídos supostamente democráticos para os quais, de novo e sempre,
o público é apropriado em favor do privado.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
POR ONDE ANDARÁ ALICE N.?
Perguntei a todos, todos
(Aos profetas, rapsodos,
Aos suicidas e assassinos):
Saberiam do destino
Daquela que, mal surgida,
Fez-se desaparecida?
A que, por noite fugaz
Esteve, não está mais?
Poderão os adivinhos,
Os bebedores de vinho,
Dizer-me ao menos seu nome?
Será "A Mulher Que Some"?
Como o Silêncio me ouvisse,
Respondeu: "chama-se Alice.
Quer vê-la? Siga um conselho:
Procure-a através do espelho".
(POETA DE MEIA-TIGELA)
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